Prisão de vereador por ligação com o TCP expõe avanço do tráfico de drogas sobre a política
O tráfico de drogas, que expande seu domínio sobre territórios e diversifica suas fontes de renda — do transporte clandestino à venda de sinais de internet, passando por um engenhoso esquema de lavagem de dinheiro com empresas de fachada — também avança sobre a política. Ontem, o vereador Ernane Aleixo (PL), de São João de Meriti, foi preso acusado de fornecer material e apoio logístico para a construção de barricadas em áreas controladas pelo Terceiro Comando Puro (TCP) em troca de votos. A detenção ocorre dois meses após a prisão do deputado estadual TH Jóias, investigado por suposta ligação com o Comando Vermelho (CV).
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— As investigações têm demonstrado que, em diversos casos, mandatos eletivos passaram a funcionar como instrumentos operacionais dessas redes, seja para distribuir cargos, influenciar decisões administrativas, direcionar recursos públicos ou assegurar proteção institucional a facções e milícias. De forma dissimulada, esse processo representa uma ameaça direta à integridade do processo democrático e à capacidade de o Estado exercer seu poder de forma legítima — afirma o promotor de Justiça Fabio Corrêa, coordenador do Grupo de Atuação Especial em Segurança Pública (Gaesp/MPRJ), que vê com preocupação essa infiltração.
Raízes no passado
O pesquisador André Luiz Rodrigues, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Política e Violência da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que essa articulação de integrantes de organizações criminosas com o poder público é uma prática antiga, mas que tem se intensificado à medida que os grupos se expandem e se sofisticam:
— No Rio, a gente deixa de ter aquela dinâmica que era comum, de políticos e criminosos realizarem acordos durante o período eleitoral para que o candidato fizesse campanha em áreas de tráfico ou milícia, para ter uma aliança mais profunda. Isso tem relação direta com a expansão do crime, que viu a necessidade de ser representado pelo poder público até para influenciar nas decisões.
Em família. Esposa e irmão de homem acusado de ser traficante também foram presos na operação Muro de Favores
Fabiano Rocha
Além de Ernane Aleixo, outras quatro pessoas foram presas ontem na operação Muro de Favores, da Polícia Civil. Em reproduções de conversas às quais O GLOBO teve acesso, o vereador negocia o envio de maquinário — aparentemente pertencente à prefeitura — para “rasgar” as ruas onde seriam instaladas barricadas. As mensagens são trocadas com Marlon Henrique da Silva, o Pagodeiro, braço direito do traficante Geonário Fernandes Pereira Moreno, o Genaro, chefe do TCP na região. A mulher de Pagodeiro, Luciana Adelia Theofilo, e o irmão dele, Marclei Freitas, foram presos ontem. Nos diálogos, o vereador afirma que pode emprestar um martelete (ferramenta de impacto projetada para perfurar, quebrar e demolir). Posteriormente, ele chega a oferecer vagas de emprego em um hospital para pessoas que o Pagodeiro quisesse “ajudar” na comunidade.
— O agente público oferece ao traficante cargos em hospital público, desde que ele o apoie. “Eu cedo cargos para você, desde que você, que tem o poder da força na comunidade, fale bem de mim para que as pessoas votem em mim”, disse o vereador. O que assusta ainda mais é a possibilidade de que bens públicos (maquinário), ou seja, aquele bem adquirido com o dinheiro do povo, sejam utilizados para ferir o povo (com a construção de barricadas) — disse o delegado Vinicius Miranda, da Delegacia de Combate às Organizações Criminosas e Lavagem de Dinheiro (DCOC-LD).
Em outra mensagem, segundo o delegado, o vereador chega a orientar onde a barricada deveria ser instalada:
— O agente público solicita que a barricada seja um pouquinho mais para trás, comprovando essa relação promíscua de intimidade. Essas coisas aconteceram, e essas solicitações foram atendidas.
Aleixo, terceiro mais votado para Câmara de São João de Meriti, é do mesmo partido do governador Cláudio Castro, que lançou na segunda-feira a operação Barricada Zero. Em nota, a assessoria do político informou que “a defesa já se habilitou nos autos e adotará todas as medidas cabíveis para a revogação da prisão preventiva, que é considerada claramente, injusta, e que apenas contribuiu para tentar macular a sua imagem pública”. O comunicado afirma ainda que as acusações são “ilações sem fundamento”.
Além de Aleixo, o vereador Marcos Henrique Matos de Aquino (Republicanos) — campeão de votos em São João de Meriti nas últimas eleições — foi detido há menos de duas semanas durante a Operação Contenção, contra a expansão do Comando Vermelho. O político não era alvo da ação, mas, durante a revista no carro utilizado por ele, os policiais encontraram uma arma registrada em nome de outra pessoa e caixas de medicamentos de uso controlado. Os agentes estavam em busca de Luiz Paulo Matos de Aquino, irmão do vereador, contra quem havia um mandado de busca. O político pagou fiança e foi solto. Sua defesa informou que Aquino foi vítima de perseguição política.
Informação de bastidores
Uma outra operação da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio, em outubro, mostrou que, por trás dessa teia, há um jogo de interesses que envolve a troca de favores por apoio em campanha e o acesso a informações privilegiadas. Um PM e um assessor da Prefeitura de Petrópolis foram presos por suspeita de colaborarem com traficantes do Complexo da Maré e bandidos que agem na Serra. A investigação, que terminou com 54 pessoas denunciadas à Justiça, mostrou que Wando da Silva Costa, o Macumbinha, acusado de comandar o tráfico no Parque União, na Maré, chegou a pedir a Robson Esteves de Oliveira, funcionário da Prefeitura de Petrópolis, que transferisse um policial que atuava na repressão ao grupo criminoso.
O assessor, de acordo com relatório dos promotores, seria ligado ao vereador Carlos da Costa Machado, o Junior Coruja, primo de Macumbinha. O pedido para beneficiar o tráfico e a ligação entre Robson e o vereador também são citados pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Petrópolis, em despacho de 24 de outubro de 2025, quando negou um pedido de revogação de sua prisão.
“Que no que se refere ao acusado Robson Esteves de Oliveira, conforme se extraiu das interceptações telefônicas e dos relatórios de inteligência, o acusado atua diretamente ao lado do vereador Junior Coruja, primo de Macumbinha, funcionando como intermediário de ordens e solicitações estratégicas encaminhadas pelo líder da facção, inclusive com o objetivo de manipular agentes públicos e utilizar influência política em favor da continuidade e da expansão do tráfico na região”, escreveu o magistrado.
Em nota, a defesa de Robson afirmou que, no fim do processo, a inocência do assessor ficará comprovada diante da fragilidade das provas nos autos”. O advogado Jordani Fernandes Ribeiro, que representa Junior Coruja, disse que o vereador não tem qualquer relação com as acusações. Acrescentou que, apesar de o vereador ser primo de Macumbinha, ele não tem qualquer proximidade com o traficante.
O deputado TH Jóias, que está preso em Bangu 8, tem negado as acusações. As defesas dos parentes de Pagodeiro não foram localizadas.
Colaborou Marcos Nunes