Ana Paula de Oliveira, fundadora do 'Mães de Manguinhos', ganha prêmio de Direitos Humanos na Suíça
São 11 anos denunciando a violência policial nas favelas, movida, principalmente pelo amor que sente pelo filho. Desde que o primogênito Johnatha morreu, aos 19 anos, com um tiro nas costas, em Manguinhos, Ana Paula de Oliveira encontra força na luta pelo direito à vida da população negra. O ativismo, segundo ela, foi a alternativa que encontrou para continuar sendo mãe de Johnatha, cuidando de sua memória e em busca de responsabilização dos autores do crime. Ela fundou o movimento "Mães de Manguinhos" e passou a acolher famílias que compartilham da mesma dor. Tantos anos e dedicação a tornaram referência no Rio e mundo afora: Ana Paula é a vencedora de 2025 do prêmio Martin Ennals, de Genebra, na Suíça.
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O prêmio reconhece os defensores de direitos humanos que mais se destacaram na avaliação de um júri composto por dez organizações líderes do movimento de direitos humanos. A cerimônia de premiação acontece no dia 26 de novembro, e ela estará lá.
— Para mim é muito simbólico, ainda mais depois do que aconteceu na Penha e no Alemão, quando varias mães perderam seus filhos. É uma forma de se ter alguma justiça. Eu tive um filho assassinado pela polícia e até hoje ninguém foi responsabilizado, nem o policial e nem o estado. Mas eu não vou desistir. Ter a responsabilização é evitar que isso se repita, e receber esse prêmio lá fora pode fortalecer a denúncia do alto índice de letalidade policial e do racismo na nossa sociedade — conta Ana Paula.
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Johnatha estava voltando para casa, em 2014, quando foi baleado nas costas. Ele tinha ido até a casa da avó, levar uma travessa de pavê que Ana Paula havia preparado, levou a namorada em casa e estava indo embora quando foi atingido. Depois de um tempo, comprovou-se que a bala partiu do revólver de um PM. Os agentes tentaram enquadrar o jovem como criminoso, mas, com provas, Ana Paula conseguiu inocentar o filho das acusações.
— Quando eu paro pra pensar que meu filho foi morto com um tiro nas costas, que ele tinha acabado de sair de casa com a namorada e uma travessa de pavê, eu me pergunto "por que? por que a polícia matou meu filho?". Ele estava indefeso, de costas. Um mês depois do assassinato dele, em um ato com outras mães, eu percebi que cada camisa estampava o rosto de um menino preto. E aí eu me dei conta do que é o racismo aqui. Mas eu não aceito. Vou continuar na busca por justiça, pela memória e pela verdade. Por reparação pra que isso pare — desabafa.
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Na busca por testemunhas do crime, Ana Paula e a irmã dela, Patrícia, encontraram outra mãe que teve o filho assassinado meses antes, também em uma ação policial na favela. Conectadas pela dor da perda de um filho e buscando apoio uma na outra, elas fundaram o grupo Mães de Manguinhos.
— Eu precisava denunciar o que a polícia do Rio de Janeiro tinha feito com meu filho. Infelizmente aqui em Manguinhos ele não foi a única vítima. Conheci outras mães que tinham filhos assassinados, e assim nasceu o movimento. Não foi nada planejado. A gente só queria falar e denunciar — conta ela.
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Em março do ano passado, os jurados do 3º Tribunal do Júri da capital decidiram que o crime do policial militar Alessandro Marcelino de Souza, réu pelo assassinato de Johnatha de Oliveira Lima, em Manguinhos, foi um homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A Defensoria Pública do Rio entrou com recurso pela condenação, mas ainda não foi julgado.
— Eu fico muito cansada emocionalmente de falar sobre isso o tempo todo, mas se eu não falar, quem vai? Eu olho para trás e vejo que já se passaram 11 anos, eu mesma me pergunto como eu cheguei até aqui. Johnatha era um menino super amado, cheio de sonhos. Se eu carregasse só dor aqui dentro, eu já estaria morta. O que me ajuda a ficar de pé é que eu carrego um amor enorme pelo meu filho, que foi transformador desde que ele nasceu. Enquanto eu estiver viva, ele vai estar vivo também — relata ela.
Foi esse sentimento que devolveu a ela sentido da vida e, ao lado de outras mães, um propósito.
— Eu agradeço todos os dias a Deus por ser mãe dele, por ter esse amor que nos conecta. Eu encontrei na luta uma forma de continuar sendo a mãe dele, cuidando dele. E isso me levou além. Somos as Mães de Manguinhos e a gente segue numa luta cansativa, árdua, dolorosa, pela garantia do direito a vida nas favelas e é nisso que eu tenho encontrado sentido pra minha vida.