Hugo Motta aciona sindicalista na Justiça e pede 'outdoor de desculpas' por ser relacionado à PEC da Blindagem
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), ingressou com uma queixa-crime contra o sindicalista José de Araújo, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica da Paraíba (Sintef-PB) em Campina Grande. A motivação foi a instalação de outdoors que relacionavam o parlamentar à PEC da Blindagem. Em audiência preliminar nesta terça-feira, a defesa de Motta propôs um "pedido de desculpas" também em outdoors espalhados pela cidade, o que foi recusado por Araújo.
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A defesa de Motta alega que os dez outdoors espalhados a partir do dia 5 de outubro em Campina Grande, no seu estado natal, continham mensagem "difamatória e falsa" por ligá-lo à defesa de criminosos. O painel publicitário ficou exposto por 15 dias e colocava sua imagem como sendo a favor da proposta que gerou uma onda de protestos pelo país.
Com o rosto de Motta, o outdoor estampava o recado: "eles votaram sim para proteger políticos que cometem crimes, o povo não vai esquecer disso". Também constavam os nomes dos deputados federais da Paraíba Aguinaldo Ribeiro (PP), Cabo Gilberto Silva (PL), Murilo Galdino (Republicanos), Damião Feliciano (União), Gervásio Maia (PSB), Mersinho Lucena (PP), Wellington Roberto (PL), Wilson Santiago (Republicanos) e Romero Rodrigues (Podemos), este também ex-prefeito de Campina Grande.
A PEC da Blindagem foi aprovada pela Câmara em setembro, com apoio de Motta, mas foi rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado dias depois. Ela estabelecia, dentre outras coisas, que deputados e senadores só respondessem a processos criminais com autorização prévia de suas respectivas Casas Legislativas.
Por conta do outdoor, Hugo Motta acionou o Tribunal Regional Federal da 5ª (TRF-5) no final de outubro, por meio da Advocacia da Câmara, pelos crimes de difamação e injúria "em razão do exercício de suas funções" como servidor público. Ele foi representado pelo advogado Jules Queiroz e não compareceu na audiência.
Outdoor com críticas ao presidente da Câmara, Hugo Motta, por conta da aprovação da PEC da Blindagem
Reprodução
Outdoors de desculpas
Na audiência desta terça, a defesa de Motta apresentou uma proposta de acordo para que o sindicato publicasse novos outdoors com um "pedido de desculpas" pelas críticas ao deputado. A sugestão foi recusada pelo sindicalista, que afirmou não ser o responsável pela contratação dos material, já que a ação foi feita pela própria organização.
— Araújo sequer é parte legítima para figurar como réu, posto que os outdoors foram contratados pelo sindicato, pessoa jurídica, não por ele, pessoa física — afirmou Olimpio Rocha, advogado de defesa do sindicalista.
Rocha também questionou o fato da representação de Motta ser feita pela Advocacia da Câmara por "utilizar a estrutura jurídica da Casa para patrocinar uma ação penal privada". O argumento, no entanto, só será analisado após a apresentação da resposta escrita à queixa-crime, que será protocolada até o dia 4 de dezembro.
A defesa de Araújo também afirma que, por conta disso, irá acionar o Conselho de Ética da Câmara e a Procuradoria-Geral da República para apurar possível prática de peculato-desvio. De acordo com Rocha, a atuação de Motta pode configurar improbidade administrativa "pela violação direta aos princípios da moralidade e da impessoalidade".
— A advocacia pública existe para defender o interesse público, não para patrocinar questões privadas de parlamentares. Se quiser processar alguém, que contrate advogado privado, não use a estrutura pública pra perseguir um cidadão que representa a posição do sindicato de que faz parte — ressalta o advogado.
Outdoor com críticas ao presidente da Câmara, Hugo Motta, por conta da aprovação da PEC da Blindagem
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Araújo ressaltou que a implementação dos outdoors na capital foi uma decisão deliberada em assembleia como uma forma de "realizar uma campanha" contra a proposta. Ele reiterou que continuará "defendendo o direito à liberdade de expressão, à crítica política e ao debate público democrático".
— Estamos confiantes e tranquilos que estamos no exercício do nosso papel da luta sindical. Nós temos o direito de lutar contra a aprovação da PEC — destacou.
Antes, Motta já havia pedido para retirar as postagens do sindicato nas redes sociais com a foto do outdoor. Ele também pediu para que o caso tramitasse em segredo de justiça. Ambas as solicitações foram negadas.
Na queixa-crime, a defesa do presidente da Câmara afirma que o parlamentar foi alvo da insurgência, já que não pretendia "proteger o crime", mas dispor sobre as prerrogativas parlamentares. Outro ponto questionado foi o fato dos outdoors terem sido veiculados após o arquivamento no Senado, o que "revela que a intenção nunca foi participar do debate político, mas sim atacar a imagem de Hugo Motta, da Câmara dos Deputados e de seus membros".
"O que se verifica, no caso em tela, não é o exercício legítimo da crítica política ou da informação, mas sim o abuso de direito, configurado pela intenção deliberada de ofender e difamar. A conduta de Araújo transcende os limites da opinião para ingressar no campo do ilícito penal, ao imputar falsamente fatos difamatórios e ofensivos à reputação de Motta", diz outro trecho. "As ofensas criminosas, além de macularem a honra e a imagem, extrapolam o campo do debate de ideias e podem até colocar em risco a integridade física do Parlamentar, sobretudo em um ambiente de acentuada tensão política".
Procurada pelo GLOBO, a defesa do presidente da Câmara ainda não se manifestou sobre o caso. O espaço segue aberto.
Outdoor com críticas ao presidente da Câmara, Hugo Motta, por conta da aprovação da PEC da Blindagem
Reprodução
'Grave ataque', diz sindicato
Em nota divulgada nas redes sociais, o Sintef-PB manifestou "irrestrita solidariedade" a Araujo. A entidade definiu o processo contra o sindicalista como um "ataque a toda categoria" e "um grave ataque à liberdade de expressão e ao direito de crítica política".
"Todos os outdoors e ações de protesto foram executados conforme deliberação aprovada em assembleia da categoria, inicialmente no contexto da campanha contra a PEC da Blindagem e, depois, como parte da mobilização contra a Reforma Administrativa (PEC 32). O companheiro José de Araújo não agiu individualmente, mas como representante legítimo de uma decisão coletiva da categoria", diz a nota. "Trata-se de uma tentativa clara de intimidar e silenciar trabalhadores organizados que lutam em defesa dos direitos coletivos".
Manifestações contra PEC da Blindagem
Movimentos de esquerda e artistas realizaram, em setembro, uma série de atos com críticas ao Congresso Nacional por conta da aprovação da PEC na Câmara. Os protestos foram convocados durante a semana pelas redes de movimentos sociais, parlamentares de partidos como PSOL, PSB e de artistas como Caetano Veloso, e chegaram a reunir mais de 40 mil pessoas nas capitais Rio e São Paulo.
Os atos ocorreram em pelo menos 22 capitais pelo país, em manifestações durante toda a manhã e tarde. Com público concentrado no Masp, na Avenida Paulista, foram contabilizadas 42.379 mil pelo "Monitor do debate político", da USP. No Rio, onde o ato foi puxado principalmente pela presença de artistas e com menos viés político, 41,8 mil pessoas se concentraram na praia de Copacabana, segundo cálculos do mesmo estudo.
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