Dua Lipa no Baixo Gávea: celebridade demais estraga qualquer ambiente, mesmo as legais
A cena já virou rotina: tô de boas, comendo uma picanha superfaturada com a galera, quando olho para fora e vejo turistas entrando. Seguindo posts e dicas do Orkut, foram ao Baixo Gávea em busca de selfies com artistas e celebridades ao fundo. Não só não encontraram o elenco da novela das oito como pior, deram de cara comigo e meus amigos. Nem tentam disfarçar a decepção. Encerram as lives, apagam as selfies e guardam os celulares no fundo da bolsa. Com olhar desapontado, dão meia-volta.
A culpa não é minha: dou importância demais à opinião dos outros
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Me dá até vontade de pedir desculpas.
Como metade da Zona Sul, comecei a frequentar o Baixo na adolescência, era o ponto de encontro oficial: você ia porque todo mundo ia. Fui ficando porque virou reduto da cultura carioca, ao menos do seu corpo de baile: designers, fotógrafos, diretores, roteiristas, iluminadores, atrizes, escritores e toda a tropa que empurra o carro alegórico da arte local. No BG, todo mundo meio que se conhecia. Quem ficou famoso largou o chopinho e, beijinho no ombro, foi tomar champagne nos Fasanos da vida. O problema é que eles se foram, mas a fama do Baixo já tinha se espalhado.
Encheu de turistas.
Nada contra, alguns são até simpáticos e a economia da cidade agradece, mas eu fico ali, só vendo os preços aumentarem na mesma proporção das filas. Se antes a conversa era a montagem de uma peça cabeça, de um filme experimental, o lançamento de um livro de poesia e o eterno drama para receber o cachê, agora tem grupinhos felizes comentando o preço da arroba do boi gordo em Goiás ou comemorando a cotação de alguma bitcoin na Faria Lima. Para eles, uma picanha de duzentos reais e uma fila de meia hora não fazem nem cócegas, é um dia na vida.
Quando vi que a onipresente Dua Lipa tinha ido parar naquelas mesas, pensei comigo mesmo: ferrou de vez. Agora é que vão dobrar os preços, e a fila vai começar lá na Dalal. Complicado. Imagino que os frequentadores do Chanchada, do Vuvu e de todo roteiro da artista devem estar com a mesma preocupação.
Os donos de bares e restaurantes vão querer me bater, mas na boa: celebridade demais estraga qualquer ambiente. Mesmo as legais. Às vezes, principalmente as legais.
Se você frequenta um lugar bacana, aonde vão seus amigos e conhecidos e que você ainda consegue ouvir o garçom, jogue suas mãos para o céu. Tanto faz se a cadeira é de plástico ou do Sérgio Rodrigues, só agradeça. O negócio é ficar na encolha e não contar para ninguém. A Rua do Senado foi eleita uma das mais “cool” do mundo. Sensacional, mas nem precisa dizer que uma multidão vai invadir o lugar — que já estava lotado — a partir do título. A Feira da Glória espalhou a fama e, agora, está intransitável. Já foram à Pedra do Sal numa segunda? E no Jobi no fim de semana? Tá osso.
Peço encarecidamente ao prefeito que nos ajude. Celebridade, ainda mais internacional, a gente manda para o Copacabana Palace, para a churrascaria rodízio, para o camarote do Sambódromo. O boteco, a roda de samba, o lugar da galera, deixa aqui com a gente. Não entregue o ouro, Dudu. Quando a Adele, o Bono ou a Beyoncé perguntarem qual é a boa, solte um “vou ver e te aviso”, um “a gente vai se falando” ou o “bora marcar”. Dê o mais carioca dos perdidos e saia assoviando um Zé Keti.
A galera agradece.