E-mails usados por Trump para acusar Hillary Clinton foram forjados por espiões russos, diz relatório dos EUA
O promotor especial da primeira era Trump, que examinou a investigação sobre a Rússia em busca de irregularidades, reuniu provas que contradizem uma teoria defendida por alguns republicanos nos Estados Unidos: a de que a campanha de Hillary Clinton teria conspirado para incriminar o então candidato Donald Trump por conluio com Moscou nas eleições de 2016, segundo informações reveladas nesta quinta-feira.
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As informações, presentes em um anexo de 29 páginas no relatório do procurador especial de 2023, revelam que um documento fundamental para essa teoria foi, muito provavelmente, forjado por espiões russos. Trata-se de um suposto e-mail de 27 de julho de 2016, que afirmava que Clinton havia aprovado uma proposta de campanha para vincular Trump à Rússia, com o objetivo de desviar a atenção do escândalo relacionado ao uso de um servidor de e-mails privado.
A divulgação do anexo traz novos detalhes à compreensão pública sobre um acervo complexo de relatórios da inteligência russa de 2016, que analisavam supostos e-mails hackeados por russos de cidadãos americanos. Também mostra o quanto o procurador especial, John Durham, se esforçou para tentar provar que alguns desses e-mails eram reais — apenas para, no fim, concluir o contrário.
A desclassificação é a mais recente de uma série de revelações nas últimas semanas sobre a investigação da Rússia. A onda veio à tona no momento em que o governo tenta desviar o foco da promessa quebrada de publicar os arquivos relacionados ao financista Jeffrey Epstein, que morreu na prisão em 2019 enquanto aguardava julgamento por tráfico sexual de menores.
Mesmo com as divulgações lançando uma nova luz sobre um período político sísmico de quase uma década atrás, Trump e seus aliados têm distorcido fortemente o conteúdo dos documentos, acusando o ex-presidente Barack Obama de “traição”.
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A divulgação do anexo não foi exceção. John Ratcliffe, então diretor da CIA, afirmou em um comunicado que os materiais provavam que as suspeitas de conluio com a Rússia derivavam de “um plano coordenado para impedir e destruir a presidência de Donald Trump.”
E Kash Patel, diretor do FBI, conhecido por divulgar alegações falsas sobre a investigação da Rússia, declarou nas redes sociais que o anexo revelou “provas de que a campanha de Clinton tramou incriminar o presidente Trump e fabricar a farsa do conluio com a Rússia.”
Na realidade, o anexo mostra o oposto, indicando que uma peça-chave da suposta evidência de que Clinton teria aprovado um plano para vincular Trump à Rússia não é confiável: Durham concluiu que o e-mail de 27 de julho de 2016 e outro relacionado, datado dois dias antes, foram provavelmente forjados.
Antes da eleição de 2020, Ratcliffe, como diretor de inteligência nacional no governo Trump, havia desclassificado e divulgado o cerne do e-mail de 27 de julho — mesmo admitindo dúvidas sobre sua veracidade. Na época, autoridades disseram que “não sabiam a precisão dessa alegação nem até que ponto a análise da inteligência russa poderia refletir exagero ou fabricação.”
Os ex-presidentes dos EUA, Barack Obama e Bill Clinton, e a ex-candidata democrata à Casa Branca, Hillary Clinton
KENA BETANCUR / AFP
Entre alguns apoiadores de Trump, a mensagem passou a ser conhecida como “inteligência do Plano Clinton”, como Durham a chamou em seu relatório final.
Em seu relatório, Durham utilizou o conhecimento do governo dos EUA sobre o suposto plano, por meio dos memorandos russos, para criticar os agentes do FBI envolvidos na investigação da Rússia por não terem sido mais céticos ao receberem depois uma cópia do dossiê Steele e usá-lo para obter autorização de escuta telefônica. O dossiê — uma compilação de alegações sobre Trump e a Rússia, feito por um ex-espião britânico — originou-se de uma investigação de oposição financiada por democratas e acabou sendo desacreditado.
“Independentemente de a inteligência do Plano Clinton ser baseada em informações confiáveis ou não, ou se era verdadeira ou falsa”, escreveu Durham, os agentes deveriam ter sido mais cautelosos ao lidar com materiais que aparentavam ter origens partidárias.
O relatório de Durham também mencionou que Clinton e outros membros da campanha descartaram a alegação como absurda, sugerindo que se tratava de desinformação russa. Mas Durham relegou ao anexo os detalhes concretos que sustentavam a refutação da campanha — ocultando até agora a conclusão de que o e-mail que ele chamava de “inteligência do Plano Clinton” era quase certamente produto de desinformação russa.
O anexo mostra que a pessoa que supostamente enviou o e-mail de 27 de julho, Leonard Benardo, da rede Open Society Foundations, disse a Durham em 2021 que nunca viu a mensagem e que não a escreveu. A rede é o braço filantrópico do financista liberal George Soros, frequentemente retratado como vilão pela mídia estatal russa e por alguns conservadores americanos.
O anexo também cita um suposto e-mail de 25 de julho de 2016, também atribuído a Benardo. Referindo-se ao presidente russo Vladimir Putin, a mensagem afirmava que um assessor de Clinton estava propondo um plano para “demonizar Putin e Trump”, acrescentando: “Depois o FBI colocará mais lenha na fogueira.”
Essa mensagem identificava a assessora como “Julie”, enquanto o e-mail de 27 de julho dizia “Julia”. Um memorando de inteligência russa anexo identificava a assessora como Julianne Smith, conselheira de política externa da campanha de Clinton e funcionária do Center for a New American Security.
Mas o conjunto de arquivos russos continha duas versões diferentes da mensagem de 25 de julho — uma delas com uma frase extra. E Benardo negou ter enviado a mensagem, dizendo à equipe de Durham que não sabia quem era “Julie” e que não usaria uma expressão como “colocar mais lenha na fogueira.”
Smith informou a Durham, em 2021, que não se lembrava de ter proposto nada à liderança da campanha sobre atacar Trump com base na Rússia, embora ela “lembrasse de conversas com outras pessoas na campanha expressando preocupações genuínas de que o ataque hacker ao DNC era uma ameaça ao sistema eleitoral, e que Trump e seus assessores pareciam ter laços preocupantes com a Rússia.”
O anexo também mostra que Durham obteve e-mails de vários think tanks de inclinação progressista mencionados nos memorandos russos e não encontrou cópias das mensagens supostamente escritas por Benardo. Entre os centros de pesquisa estavam a Open Society Foundations, o Atlantic Council, a Carnegie Endowment for International Peace e o Center for a New American Security.
Mas Durham encontrou outros “e-mails, anexos e documentos que contêm linguagem e referências com exatamente a mesma ou similar redação” às dessas mensagens. Entre eles, um e-mail de 25 de julho de um especialista em cibersegurança da Carnegie Endowment que incluía uma passagem extensa sobre ataques cibernéticos russos, repetida, palavra por palavra, na suposta mensagem atribuída a Benardo.
“A melhor avaliação do escritório é que os e-mails de 25 e 27 de julho atribuídos a Benardo eram, no fim das contas, uma composição de vários e-mails obtidos por meio de espionagem russa contra think tanks americanos, incluindo a Open Society Foundations, a Carnegie Endowment e outros”, diz o texto.
Em 2020, conforme reportado pelo New York Times, depois que Durham falhou em encontrar provas de abusos de inteligência, ele passou a tentar encontrar uma base para culpar a campanha de Clinton pelo fato de a campanha de Trump ter se tornado alvo de suspeitas de conluio com a Rússia.
Durham nunca conseguiu provar qualquer conspiração da campanha de Clinton para incriminar Trump disseminando informações falsas sobre seus vínculos com a Rússia, mas ainda assim usou petições judiciais e seu relatório final para insinuar tais suspeitas. Ele apresentou acusações de falsas declarações contra duas pessoas envolvidas em esforços externos para investigar possíveis vínculos entre Trump e a Rússia. Ambas terminaram em absolvições rápidas.