Alfred Brendel, pianista clássico que abriu caminho para uma carreira singular, morre aos 94 anos
Músico austríaco conquistou seguidores devotos apesar de críticos influentes que reprovavam suas interpretações dos mestres Alfred Brendel, faleceu nesta terça-feira em sua casa, em Londres, aos 94 anos. Brendel foi um pianista clássico que seguiu sua própria trajetória da obscuridade ao estrelato internacional conquistando seguidores devotos apesar de críticos influentes que reprovavam suas interpretações dos mestres. A morte foi anunciada por sua família em um comunicado à imprensa.
Brendel era incomum entre os artistas de concerto modernos. Não havia sido uma criança prodígio, não possuía a memória fenomenal necessária para manter um repertório extenso com facilidade e tinha relativamente pouco treinamento formal. Mas era um trabalhador dedicado e alegremente paciente. Na maior parte do tempo, ele aprendeu sozinho, ouvindo gravações e prosseguindo em um ritmo deliberado, concentrando-se em alguns compositores, incluindo Beethoven, Mozart, Joseph Haydn, Franz Schubert, Franz Liszt e Arnold Schoenberg.
"Nunca tive um professor fixo de piano depois dos 16 anos", disse ele ao crítico Bernard Holland, do "New York Times", para um perfil em 1981, embora tenha frequentado master classes em sua Áustria natal com o pianista e maestro suíço Edwin Fischer e o pianista americano nascido na Áustria, Eduard Steurmann. "A autodescoberta é um processo mais lento, porém mais natural."
Ao longo dos anos, Brendel desenvolveu e revisou continuamente suas próprias ideias sobre o uso do piano moderno para fazer com que músicas antigas soassem novas sem violar as intenções dos compositores. O sucesso delas era uma questão de gosto. Sua abordagem analítica atraía especialmente intelectuais e escritores, e também não era prejudicial o fato de ser um escritor erudito sobre história, teoria e prática da música.
Seus fãs lotavam recitais em Nova York, Londres e outras grandes cidades — incluindo um memorável ciclo das sonatas completas de Beethoven no Carnegie Hall, em 1983. Entre seus defensores estava Susan Sontag, que contribuiu com uma sinopse para um de seus vários livros de ensaios reunidos, "Alfred Brendel on Music" (2000), dizendo que ele havia "mudado a maneira como queremos ouvir as principais obras do repertório para piano".
O pianista Alfred Brendel em seu último concerto em Nova York no Carnegie Hall, em 20 de fevereiro de 2008
Jennifer Taylor/The New York Times
Um pouco para seu desânimo, ele se viu escalado como um herói dos "formalistas", que defendiam a estrutura, a proporção e a primazia da partitura em sua guerra de cem anos com os "afetistas", como o crítico musical chefe do "Times", Harold C. Schonberg, caracterizava um grupo mais extrovertido, preocupado com impacto emocional, cor e linha. Brendel era um herdeiro da tradição de Fischer e Artur Schnabel, em oposição a Vladimir Horowitz.
"Nunca pertenci a nenhum clube", protestou. "Não acredito em escolas de piano e não tenho um regime técnico. Somente a peça específica que você está tocando pode revelar seus problemas técnicos."
Ainda assim, sua abordagem desanimou muitos críticos — especialmente os de Nova York, ao que parecia — mesmo que reconhecessem suas conquistas técnicas. Em um artigo do "Times" de 1983, Holland o comparou ao jovem Murray Perahia, cuja aparente naturalidade e facilidade faziam com que se sentisse "que há coisas passando de seu ouvido e mente para seus braços e pontas dos dedos que nem ele nem nós realmente entendemos".
“O Sr. Brendel, por outro lado”, escreveu Holland, “parece entender tudo, e isso é tanto uma sorte quanto um infortúnio. Enquanto outros parecem receber sua música por inteiro, o Sr. Brendel precisa reinventar a sua para si mesmo — peça por peça. É um esforço trabalhoso, e embora a forma de tocar do Sr. Brendel nem sempre nos agrade — pode cair na brutalidade e na angularidade feia —, ainda assim somos atraídos por ela.”
Brendel foi tratado com mais gentileza no exterior. Ao receber o prêmio London Critics’ Circle Award, em 2003, ele fez um discurso expressando gratidão aos críticos em Graz, Áustria, que previram um futuro brilhante após seu recital de estreia, aos 17 anos. "Mas", disse ele, "eu também deveria ser grato, em retrospectiva, ao 'New York Times', que por vários anos me menosprezou, por me mostrar que é possível conquistar seguidores e consolidar a própria reputação apesar disso."
Alfred Brendel durante um ensaio, em junho de 2007
Jonathan Player/The New York Times
De fato, ele disse em outra entrevista, sua sensação de ter alcançado sucesso graças ao seu apelo com o público lhe deu mais liberdade do que a maioria dos artistas para escolher qual música apresentar e gravar.
Alfred Brendel nasceu em 5 de janeiro de 1931, em Wiesenberg, na Morávia, hoje uma região da República Tcheca, filho de Albert e Ida (Wieltschnig) Brendel. Seu pai era engenheiro-arquiteto e trabalhou em diversas cidades do Leste Europeu.
Ainda criança, Alfred começou a estudar piano em Zagreb, na Iugoslávia. Mais tarde, frequentou o Conservatório de Graz e, em seguida, a Academia de Viena, onde a graduação em 1947 com um diploma em piano marcou o fim de sua formação acadêmica.
Brendel sempre teve outros interesses, incluindo pintura, arquitetura e literatura. Mas se dedicou à carreira musical após participar da competição italiana de Busoni, em 1949. Segundo seu relato, ele se arriscou, pagando as próprias despesas com a viagem a Bolzano, a cidade do norte onde o evento ainda é realizado. Ele ficou em terceiro lugar (quarto, tecnicamente, mas nenhum primeiro prêmio foi concedido naquele ano), o que foi o suficiente para encorajá-lo a se mudar para Viena, onde pelos 20 anos seguintes seguiu uma carreira de concertista à sombra de músicos como Paul Badura-Skoda e Friedrich Gulda, ambos seus pares de geração. No entanto, ele conseguiu alguns contratos, primeiro com a gravadora de baixo custo SPA e depois com a Vox e a Vanguard.
O ponto de virada veio com um concerto no Queen Elizabeth Hall, em Londres, no final da década de 1960. "Por algum motivo, as pessoas ficaram muito entusiasmadas com a minha forma de tocar", disse Brendel a Holland no perfil do "Times" de 1981. "No dia seguinte, as gravadoras começaram a ligar para o meu agente. O mercado na época estava cheio das minhas edições antigas e baratas, e ninguém sabia como competir com elas sem primeiro melhorar a minha imagem. Depois daquele concerto em particular, isso deixou de ser um problema."
O casamento de Brendel com Iris Heymann-Gonzala, em 1960, terminou em divórcio em 1972. Naquele ano, mudou-se para Londres, onde viveria com sua segunda esposa, Irene (Semler) Brendel. Esse casamento também terminou em divórcio.
Ele deixa sua companheira, Maria Majno; uma filha, Doris Brendel, do primeiro casamento; três filhos do segundo casamento, Adrian, Sophie e Katharina Brendel; e quatro netos.
Alfred Brendel gravou todas as sonatas de Beethoven três vezes. Ele também contribuiu muito para fomentar o interesse pela música para piano de Schubert e, talvez em maior grau, pela de Liszt — "um espírito nobre", em sua opinião, cuja reputação como compositor sério foi injustamente prejudicada por talentos menores, invejosos de seu virtuosismo e magnetismo.
Brendel deu seu último concerto em Viena, em 18 de dezembro de 2008. Dois anos depois, em um bate-papo com um jornalista do "Telegraph", em Londres, ele descreveu uma agenda que não deixava tempo para sentir falta da sala de concertos. "Bem, parecia o momento certo", disse ele. "Idealmente, eu gostaria de ter parado discretamente, sem contar a ninguém, para poder evitar todas aquelas festas de despedida, com as lágrimas que não derramei!"