Rioprevidência planejou contratar assessoria jurídica e financeira para 'mitigar' riscos de títulos comprados com banco Master
Desde setembro, dois meses antes do Banco Central liquidar o Banco Master, o Rioprevidência — fundo estadual que gere aposentadorias e pensões de servidores do Rio — planejava contratar assessoria jurídica e financeira para avaliar cenários e opções de ação em caso de quebra da financeira. Segundo o Tribunal Estadual de Contas do Rio (TCE-RJ), a autarquia investiu R$ 2,6 bilhões em títulos diretamente no banco ou em fundos administrados por corretoras do grupo Master.
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Em 15 de setembro, o gerente de operações em investimentos Pedro Pinheiro Guerra Leal pediu a contratação de um escritório de advocacia especializado em direito bancário e insolvência de instituições financeiras. No ofício, eles destacam a necessidade do contratado em elaborar uma análise "jurídica sobre cenários de intervenção, liquidação ou falência" e quais medidas administrativas e judiciais poderiam ser feitas para "resguardar os créditos do Rioprevidência".
Um mês depois, Pedro Leal repete o pedido, desta vez buscando um especialista em "mercado de capitais, instituições financeiras e gestão de riscos" sobre o tema "em razão da exposição a Letras Financeiras emitidas pelo Banco Master".
"A contratação é necessária para mitigar riscos financeiros e regulatórios em razão da possibilidade de eventos extraordinários que possam impactar a regularidade das operações do Banco Master S.A., emissor das Letras Financeiras detidas pelo Rioprevidência. Trata-se de serviço de natureza técnica especializada e singular, que exige notória especialização e experiência comprovada em processos de insolvência bancária e na proteção de interesses de credores institucionais, circunstâncias que inviabilizam a competição em certame licitatório", diz trecho do documento.
Também desde setembro o Rioprevidência tem negociado para substitutir os R$ 960 milhões em letras financeiras do Banco Master por precatórios federais, conforme publicou a coluna de Lauro Jardim. Após ser notificado extra-judicialmente o Banco Master disse que não havia "comprometimento da solidez econômico-financeira do Banco Master, nem risco efetivo para os investidores”.
Mesmo assim, dois dias depois, o Rioprevidência apresentou uma proposta de reestruturação de posição do investimento. No documento, assinado pelo diretor-presidente Deivis Antunes, o fundo estadual se diz disposto a encontrar uma “solução construtiva e célere” e solicita uma reunião técnica para detalhar a proposta e analisar as alternativas.
Processo acelerado
Os responsáveis pelas decisões de investimentos do Rioprevidência no Banco Master entraram no órgão estadual apenas alguns meses antes da data dos primeiros aportes. De acordo com um documento sigiloso do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Deivis Marcon Antunes, Eucherio Lerner Rodrigues e Pedro Pinheiro Guerra Leal iniciaram suas atividades entre julho e outubro de 2023. Os aportes no Banco Master começaram naquele mesmo ano, no início de novembro. O documento do TCE ainda aponta como “notável coincidência” que, no dia 4 de outubro, justamente quando o ex-diretor de investimentos, Eucherio Lerner Rodrigues, iniciou as atividades, o Banco Master não só enviou um e-mail solicitando credenciamento ao Rioprevidência como também teve o procedimento para tal aberto pelo órgão.
De acordo com o documento, o presidente do Rioprevidência, Deivis Marcon Antunes, entrou no órgão no dia 4 de julho de 2023. Pedro Pinheiro Guerra Leal, gerente de operações em investimentos, entrou no dia 25 de julho, e o ex-diretor de investimentos, Eucherio Lerner Rodrigues, ingressou no dia 4 de outubro daquele mesmo ano. A nomeação dele saiu em Diário Oficial naquele mesmo dia.
Após 12 dias do e-mail enviado pelo Banco Master pedindo o credenciamento junto ao Rioprevidência, Pedro Pinheiro Guerra Leal, gerente de operações e investimentos do órgão, enviou um ofício à Gerência de Controle Interno e Auditoria (GERCIA) informando que o banco atendia aos requisitos. No e-mail, ele também encaminha os documentos e solicita análise e parecer de conformidade.
E-mail do gerente de operações e investimentos sobre Banco Master
Reprodução
No dia 19 de outubro daquele ano, Deivis Marcon envia um despacho como diretor-Presidente do Rioprevidência autorizando o credenciamento do banco.
De acordo com o TCE, o processo de aplicação no Banco Master aconteceu de forma "acelerada":
“Ao analisar o trâmite deste processo, fica absolutamente evidenciado que houve uma conduta acelerada para realizar a primeira aplicação no Banco Master, a qual ocorreu de forma inadequada e com aparentes irregularidades, sem as devidas formalidades básicas para garantir o melhor interesse ao RPPS [Regime Próprio de Previdência Social]", diz um trecho do documento do TCE.
De novembro de 2023 a 19 de julho de 2024, o Rioprevidência realizou nove aplicações em Letras Financeiras do Banco Master. De acordo com o documento do TCE, essas movimentações somaram R$ 970 milhões.
Durante a investigação conduzida pelo TCE sobre as aplicações do Rioprevidência no Banco Master, a corte enviou uma série de questionamentos sobre o processo de credenciamento do banco. Em resposta ao TCE, Deivis Marcon, diretor-presidente do Rioprevidência, alegou que o credenciamento do banco começou no início de 2023 e foi concluído no dia 4 de outubro de 2023.
De acordo com ele, foram realizadas reuniões e procedimentos de "due diligence" — investigação detalhada de uma empresa — que foi registrada em processo público. Porém, o TCE argumenta que os documentos estão sob acesso restrito e não foram colocados nos autos do processo.
"A etapa de transparência e publicidade do credenciamento, mencionada pelo jurisdicionado, restou prejudicada, uma vez que o processo não foi amplamente publicizado no site do Rioprevidência, impedindo que a população e os segurados tivessem acesso às informações", argumenta o TCE no processo de investigação do caso.
Deivis Marcon também disse ao TCE que a gestão do Rioprevidência que assumiu em 2023 “encontrou uma carteira deficitária e implementou uma estratégia conservadora, balanceando os investimentos entre títulos privados e públicos”. Em outro momento, também afirmou que o Banco Master tinha “longa e adimplente relação com o Estado do Rio de Janeiro, sem registros de irregularidades, inclusive no que diz respeito a empréstimos consignados”.
Em resposta ao TCE, ele também defendeu que “o investimento em ativos de longo prazo foi planejado com prudência, conforme o Plano Anual de Investimentos, e todas as decisões foram aprovadas pelo Comitê de Investimentos, visando maximizar os resultados financeiros e garantir a segurança dos recursos”.
Entenda
A liquidação extrajudicial do Banco Master trouxe à tona os investimentos de risco que vinham sendo feitos pelo Rioprevidência, fundo de aposentadoria dos servidores estaduais. O órgão aplicou R$ 2,6 bilhões em letras financeiras e títulos de renda fixa na instituição financeira e em sua corretora desde 2023, de acordo com auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que vinha fazendo alertas sobre irregularidades nessas operações há um ano. Agora, mesmo sem a certeza de que receberá esses valores de volta, o governo do Rio garante que os pagamentos aos inativos e pensionistas não serão afetados.
Desde o ano passado, o TCE vinha alertando sobre os problemas que investimentos no Master poderiam gerar ao Rioprevidência. A corte abriu uma investigação para apurar a gestão de aplicações feita pela autarquia, que destinou 25% de todos os recursos aplicados ao grupo Master. Em maio, o TCE já tinha observado um “atropelo” no processo de habilitação da financeira, que foi efetivamente cadastrada somente um mês depois do início dos aportes no Master.
Os conselheiros do tribunal enviaram um documento ao Rioprevidência avisando que quaisquer novas operações similares às investigadas pela corte naquele momento “implicaria a integral assunção do risco de possíveis irregularidades pelo Rioprevidência e por seus agentes, pessoalmente”. Sem receber retorno do órgão de previdência, o TCE determinou em outubro uma tutela provisória, que impede novas transações com o Master.
Mesmo com o alerta do tribunal, o Rioprevidência aplicou R$ 1,1 bilhão em fundos geridos pelo Master de 20 de maio a 25 de julho, período em que a crise do banco era amplamente divulgada.
Em 9 de abril, no plenário do TCE, o ex-diretor de investimentos do Rioprevidência Euchério Lerner Rodrigues explicou que foram feitas pesquisas com bancos concorrentes de mesmo tamanho, mas as taxas oferecidas pelo Master eram mais vantajosas.
“A gente entendia que era possível, sim, comprar letras financeiras do Banco Master, e a cada uma das nove operações que foram feitas, essas operações foram balizadas com as taxas de mercado para a gente ter certeza de que estava tendo a melhor rentabilidade no interesse do Rio Previdência”, disse Lerner Rodrigues, que deixou o governo estadual em março de 2025.
Os investimentos após o alerta de maio do TCE foram, de fato, de risco. Os recursos foram em fundos administrados pela corretora do grupo, também foi liquidada pelo Banco Central. Um desses aportes foi de R$ 100 milhões no fundo Texas I FIA, que têm 96% da carteira em ações da Ambipar — que está em recuperação judicial e derreteu na bolsa de valores. Os aportes desse investimento foram feitos em junho deste ano e, até a semana passada, as ações da empresa já tinham desvalorizado 97%.
Nota do Rioprevidência
O Rioprevidência informa que é inverídica a informação de que o Banco Master seria destinatário de mais de R$ 2,6 bilhões em investimentos pela autarquia. O valor efetivamente aplicado pelo órgão foi de aproximadamente R$ 960 milhões, em Letras Financeiras emitidas pela instituição entre outubro de 2023 e agosto de 2024, com vencimentos previstos para 2033 e 2034. Atualmente, a autarquia está em negociação para substituir as letras por precatórios federais.
O Rioprevidência ressalta ainda que o pagamento de aposentadorias e pensões está garantido, não havendo qualquer risco para os segurados do Estado do Rio de Janeiro. Cabe destacar ainda que o valor investido junto à instituição é inferior ao da folha mensal paga pela autarquia aos aposentados e pensionistas, hoje em R$ 1,9 bilhão, custeada em grande parte pela receita de royalties e participações especiais.
O montante relativo ao investimento que vem sendo equivocadamente veiculado se deve a um cálculo feito pelo TCE-RJ, que inclusive já foi esclarecido pelo Rioprevidência em recurso apresentado à Corte de Contas.
Importante esclarecer ainda que à época das aplicações, o Banco Master S.A. detinha autorização de funcionamento emitida pelo Banco Central do Brasil, credenciamento ativo junto ao Ministério da Previdência Social e classificação de risco de crédito de “grau de investimento” — rating nacional de longo prazo “A-”, atribuído pela Fitch Ratings, atestando solidez financeira e a credibilidade institucional. As aplicações foram realizadas em conformidade com todos os regramentos vigentes à época e de acordo com o Plano Anual de Investimentos que foi aprovado pelo Conselho de Administração da Autarquia.