Corregedoria da PM investiga por que policiais envolvidos em morte de mototaxista deixaram câmeras corporais dentro da viatura
Na madrugada de sexta-feira, o mototaxista Andrew Andrade do Amor Divino, de 29 anos, morreu atingido por um tiro na nuca após passar de carro por uma barreira montada pela Polícia Militar na Pavuna, Zona Norte do Rio. A investigação do caso está a cargo da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Os investigadores, no entanto, não contarão com um elemento importante que poderia ajudar a elucidar os fatos: as câmeras que deveriam estar acopladas às fardas dos dois policiais do 41º BPM (Irajá) que participaram da ação ficaram na viatura e, portanto, não registraram as imagens do que ocorreu, como determina o Supremo Tribunal Federal (STF) desde dezembro de 2022, no âmbito da ADPF das Favelas.
Lista: Quais são as 15 cidades do Rio onde não há domínio de facção criminosa consolidado?
Viúva lamenta: Motorista morto por PM havia acabado de comprar casa para morar com a família: 'Agora eu não sei como vai ser'
O uso das câmeras por policiais enfrenta resistência desde o início. O governo do estado chegou a argumentar que a instalação dos equipamentos poderia colocar em risco a vida dos agentes e de moradores, bem como atrapalhar ações de inteligência. Em junho de 2023, no entanto, o STF ratificou a medida, e o governo do Rio cumpriu a determinação. Na megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha no último dia 28, por exemplo, policiais usavam câmeras corporais, mas parte dos equipamentos não teria funcionado por falta de bateria, segundo o secretário da PM, Marcelo de Menezes.
Com relação ao caso de Andrew Andrade, a PM, em nota, afirma que a corregedoria da corporação apura por que os dois policiais — que foram afastados de suas atividades operacionais — não estavam usando as câmeras quando o carro dirigido por ele foi atingido pelo disparo.
De acordo com a corporação, os policiais estavam em patrulha próximo ao Complexo do Chapadão quando homens em três motocicletas teriam passado e atirado contra eles. Pouco depois, Andrew teria ignorado a ordem para parar no bloqueio, o que levou um dos agentes a atirar. O mototaxista chegou a ser levado para o Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu.
Megaoperação no Rio: Veja as promessas oficiais depois da ação nos complexos da Penha e do Alemão
Versão da família
A família do rapaz apresenta outra versão. Dayene Nicácio Carvalho, de 25 anos, mãe de dois filhos do mototaxista, disse que o marido voltava de uma comemoração, no carro de um vizinho, com o som alto e os vidros fechados e que, por isso, não teria ouvido o comando dos policiais para parar. Sem as imagens das câmeras, a investigação sobre o que de fato aconteceu fica prejudicada.
— Às 23h59 perguntei se ele já estava vindo, e ele respondeu que já estava chegando. Meia hora depois, aconteceu tudo. Toda vez que via uma viatura, ele parava. Era habilitado, o carro estava em dia. Não tinha por que fugir — disse Dayene.
A viúva contou ter dito ao filho mais velho que o pai morrera num acidente e que, por isso, virou uma “estrelinha no céu”. Mas o menino acabou descobrindo o que houve pelo noticiário e teve uma crise de choro.
— O meu filho mais velho era muito agarrado com o pai. Quando soube da morte, começou a chorar e a gritar pelo pai, dizendo que o coração estava doendo — contou Dayene, que tem um outro filho de apenas 1 mês e estava com Andrew havia oito anos.
Andrew Andrade
Reprodução
Punição exemplar
Para Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), além do erro pela falta de uso das câmeras, a ação dos policiais ao atirar contra o carro também é equivocada.
— As câmeras corporais servem para a proteção de cidadãos e policiais com relação ao respeito aos protocolos operacionais. Nesse caso específico, não é legítimo o uso de arma de fogo, mesmo com a fuga. Os agentes encarregados da aplicação da lei só podem fazer disparos no caso de risco iminente de morte para eles ou para outras pessoas em volta — explica Hirata.
Policial rodoviário federal vai à juri popular por morte de menina durante abordagem no Arco Metropolitano
O especialista em segurança José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de São Paulo, enxerga a resistência ao uso de câmeras pelas polícias como uma questão que precisa ser superada e defende punição severa em caso de desobediência:
— Essa questão tem resistência geral no país. O uso das câmeras deve ser terminantemente obrigatório, e a sanção para o descumprimento dessas normas deve ser das mais graves possíveis. Inclusive demissão. Lembrando que o uso da câmera ajuda na defesa da ação correta do policial, com as imagens sustentando os argumentos.
Em nota, a PM informa que conta com “mais de 13 mil Câmeras Operacionais Portáteis (COP) distribuídas em todas as unidades da corporação” e que o mau uso do equipamento é “classificado como transgressão disciplinar grave, sendo o policial militar punido com sanções administrativas”.