Guns N' Roses, Oasis, Linkin Park: por que tantos shows vêm ao Brasil e não passam pelo Rio?
Dois fãs de rock entram num bar:
— E aí, vai no Oasis?
— Não, cara, já ia no Weezer, não vou ter grana pra ir aos dois. E você?
— Também não. Fui no Guns.
Um diálogo normal, pois ingressos para shows internacionais são caros mesmo, é difícil bancar tudo. E ainda mais para os cariocas, que estão tendo de ir a outras cidades para ver seus artistas preferidos. Oasis (em duas datas em São Paulo), Weezer e Guns N’ Roses são apenas alguns dos que passaram ou passarão pelo Brasil neste fim de ano sem sombra de apresentação na cidade.
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É certo que não há como competir com o poder aquisitivo e a veia roqueira de São Paulo, mas há outros fatores.
— É o caso do Allianz Parque — aponta Bernardo Amaral, diretor do Qualistage, maior casa de espetáculos do Rio, que nos próximos meses receberá nomes como Bryan Adams, Dire Straits Legacy e, quem sabe, alguma sobrinha do festival Lollapalooza, marcado para março em São Paulo. — O Allianz Parque é um estádio bem localizado, de fácil acesso, com toda a estrutura para shows. O universo da música, aqui e no exterior, já sabe dele, então as turnês acabam direcionadas para lá. No Rio, como o Maracanã só fica disponível fora da temporada do futebol, em dezembro e janeiro, a opção é o Engenhão, que sofre muita rejeição do público. Não sei por que não usam mais a Apoteose.
Datas de shows no Brasil
Arte O Globo
Melvin Ribeiro, nome conhecido no underground carioca, viaja para shows desde muito antes de ser modinha, mas, com a diminuição da oferta perto de casa, até ele ficou meio cansado de pegar a Dutra (mas vai no Oasis).
— Não sei se o Rio está pior, mas a grama do vizinho está mais verde — diz ele, atualmente à frente de sua própria banda, Melvin e os Inoxidáveis. — Tá chato pegar ônibus para São Paulo toda semana. Estamos num momento em que pela primeira vez o Rio não tem uma casa para shows de tamanho médio, uma rádio, não tem a MTV e seus clipes...
Liam e Noel Gallagher no palco do Soldier Field, em Chicago, em 28 de agosto, na turnê em que os irmãos se juntam após 16 anos: sem datas no Rio
KAMIL KRZACZYNSKI / AFP
Melvin conta que um dos primeiros sintomas que percebeu foi em um show do R.E.M. na atual Farmasi Arena, em 2008.
— Foram umas duas mil pessoas lá ver uma banda que tinha fechado uma noite do Rock in Rio para cerca de 150 mil sete anos antes — contabiliza. — O Rio tinha festas de rock, como a Loud! e a Maldita. Hoje temos a Áudio Rebel, que é maravilhosa, mas comporta 80 pessoas. Fiquei feliz ao ver o Turnstile enchendo o Sacadura 154 (em abril), foi uma hora na fila para entrar.
Existe uma solução, então?
— Acho que falta um olhar local — diz Amaral. — As produtoras responsáveis por esses grandes shows não têm escritórios no Rio. Só quem trabalha em uma determinada cidade sabe como funciona o mercado lá, os lugares certos, os dias da semana e do mês e outras particularidades.
CEO da Mercury Concerts, responsável pela vinda do Guns N’ Roses e pelo festival Monsters of Rock — que até já teve edições cariocas, décadas atrás —, José Muniz fala de dificuldades no Rio.
— O carioca tem a praia, que é um componente diferencial em relação aos mercados que recebem shows internacionais regularmente — diz ele, que vê concorrência nos evento públicos gratuitos. — E ainda tem a questão da segurança.
Green Day no Rock in Rio de 2022: show que seria realizado no Engenhão, em setembro, foi cancelado
Guito Moreto
O trio californiano Green Day tinha um show marcado no Engenhão em setembro, aproveitando sua vinda ao país pelo The Town, em São Paulo. A apresentação acabou cancelada com a alegação de que o Botafogo jogaria no estádio, mas a rádio corredor musical ouviu falar em baixa venda de ingressos. Talvez aí tenha faltado a tal cor local na hora da produção do evento: o Green Day, em várias vindas de sucesso ao Rio, nunca tocou sozinho em um estádio. Seus shows solo foram na Arena ou no Qualistage. Talvez o gigante da Zona Norte fosse um passo maior do que as pernas.
— Adoraria ver mais shows no Rio, e a Arena Jockey está à disposição — diz Simon Fuller, que comanda o espaço sazonal no hipódromo em seu terceiro ano. — Tínhamos New Order e Jorja Smith agendados para o ano passado, mas o festival que os traria, o Primavera Sounds, em São Paulo, acabou cancelado. Mas já soube que ele está confirmado para o ano que vem, então podemos ter atrações internacionais por aqui.
Luiz Guilherme Niemeyer, da Bonus Track, produtora responsável pelas vindas de Lady Gaga e Madonna a Copacabana, menciona mais um fator que, segundo ele, acaba jogando contra o Rio.
— A taxa de conveniência sobre os preços dos ingressos é de 20% em todo o Brasil e de no máximo 10% no Rio — diz ele, que lembra que sua produtora é carioca e busca sempre incluir a cidade em seus eventos. — Esse limite representa um desequilíbrio financeiro quando todos os custos da produção são somados.
Mais samba, menos rock
Também é preciso que se identifique o perfil carioca. Mesmo sendo a casa do Rock in Rio, a cidade do samba, do pagode e do funk não tem o perfil roqueiro de coirmãs como São Paulo e Curitiba. No fim das contas, é preciso saber equacionar os fatores atração, local, venda de ingressos e cachê.
É claro que existe também o imponderável, como a violência que, tragicamente, se abateu sobre a cidade na última semana.
Mas o público carioca que reclama ainda tem na agenda muito com o que se animar. O canadense Bryan Adams se apresenta no Rio em 2026, assim como seu conterrâneo The Weeknd (no Engenhão, dia 26 de abril); Dua Lipa (na área externa da Farmasi Arena, dia 22 de novembro) e Now United (dia 19 no Vivo Rio) estão por aí mesmo…
— Um produtor alemão amigo meu diz que muitas bandas fazem questão de tocar no Rio — diz Melvin. — Trabalhando direitinho, os shows aparecem.