Letalidade policial cai, mas cresce em SP, MG e mais oito estados; Amapá e Bahia estão no ‘pódio’ das polícias que mais matam
Em 2024, o Brasil registrou 6.243 pessoas mortas em decorrência de intervenções de policiais militares e civis da ativa, tanto em serviço quanto fora dele, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta quinta-feira (24).
Houve uma redução de 3,1% nesse tipo de ocorrência na comparação com 2023 no país, mas isso não foi observado de forma homogênea em todas as regiões e dez estados registraram aumento nas mortes por agentes da segurança pública.
A polícia do Amapá segue sendo a mais letal do país, conforme já registrado em levantamentos anteriores, com uma média de 17,1 homicídios a cada 100 mil habitantes. A Bahia vem em seguida, com 10,5 homicídios cometidos por policiais a cada 100 mil habitantes. No Amapá, a letalidade é tanta que um a cada três homicídios ocorridos em 2024 foram cometidos por policiais. Na Bahia, a proporção foi de um em cada quatro homicídios.
David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o Amapá, apesar de ser um estado pequeno, tem uma posição geográfica estratégica para o narcotráfico por causa do Porto Santana, que possibilita o escoamento de drogas para a África e Europa.
— A resposta estatal tem sido apostar justamente nessa atuação mais letal da Polícia Militar como tentativa de controle dessa situação. Isso já tem alguns anos e os indicadores de criminalidade na região continuam altos, ou seja, não tem funcionado como era de se esperar — aponta.
Na Bahia, explica Marques, há um cenário de “pulverização das organizações criminosas por todo o estado”, que gera conflitos constantes.
— A letalidade policial tem aparecido como uma espécie de resposta à presença dessas organizações criminosas, o que tem feito elevar tanto as mortes violentas e intencionais quanto as mortes decorrentes de intervenção policial. Das dez cidades com maior número de mortes por intervenção policial, seis são na Bahia — acrescenta.
A cidade com maior número de mortes por agentes das polícias Militar e Civil foi Santo Antônio de Jesus, na Bahia, com uma taxa de 30,2 de morte decorrente de intervenção policial (MDIP) a cada 100 mil habitantes. Em seguida, vem Itabaiana (SE), com taxa de 28,6 e Marituba (PA), com taxa de 27,7. Dos 5.570 municípios brasileiros, 1.226 registraram ao menos um caso de letalidade policial em 2024, o que representa 22% do total.
Quando considerados os estados em que houve aumento de um ano para outro na letalidade policial, São Paulo lidera: foram 60,9%, mais mortes em comparação ao ano anterior, com 813 ocorrências do tipo, ante 504 em 2023. Minas Gerais vem em seguida, com 45,5% de aumento — de 137 para 200 casos.
Para Marques, nesses estados há um “forte discurso político associado à questão da segurança pública, que tenta utilizar as operações policiais e até mesmo a letalidade policial como um indicador de sucesso para o trabalho da polícia”.
No caso de São Paulo, ele cita uma série de mudanças no comando da Polícia Militar, realizadas em fevereiro de 2024, as operações na Baixada Santista e os discursos “linha-dura” do secretário Guilherme Derrite como fatores que contribuiriam para esse aumento da letalidade policial.
— No caso de São Paulo, houve mudanças muito intensivas, principalmente na Polícia Militar, dos coronéis nas posições mais chave. Muitos coronéis que faziam uma defesa institucional mais intensa foram forçados para a reserva, e existe um certo desmonte de um perfil de PM mais profissional que a gente tinha até então, para uma orientação muito mais próxima ao perfil do secretário de segurança pública, que tem essa ideia de enfrentamento da criminalidade por meio da letalidade policial — opina.
Em algumas cidades, as mortes por intervenção policial representaram mais da metade de todas as mortes violentas do município — o que considera homicídio, lesão corporal seguida de morte e roubos seguidos de morte.
Em Itabaiana (SE), uma cidade com pouco mais de 103 mil habitantes, as mortes pela polícia foram 75,6% de todas as mortes violentas ocorridas na cidade em 2024. Em segundo lugar neste ranking estão Santos e São Vicente, com 66,1%, ambas no Litoral de São Paulo, que foram palcos de operações policiais como a Escudo e a Verão nos últimos anos.