Alt: Scotty from Star Trek Original Series (played by Jimmy Doohan) says there be whales here in a Klingon vessel's cargo hold.

Os tons da pintura com jenipapo vão ficando mais escuros à medida que o sol se põe. Depois da fila para servir o jantar e lavar a louça, eles começam a subir para o terceiro andar onde se espalham entre pequenos grupos para se pintar. Depois sentam-se à mesa em rodas de jogos. Elas estão no andar debaixo com os filhos a tiracolo prontos para dormir nas redes, que são de tantas cores que confundem os olhos. É como se, cruzadas nas pontas, elas formassem os desenhos em jenipapo que são impressos na pele. As redes estão enfileiradas em diferentes combinações, dispostas ao descanso ao fim de mais um dia de trabalho na Caravana da Resposta rumo à COP30, em Belém. Lula manda recado a Trump: 'É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas' Primeiro dia: Leques, fila no almoço e brindes chineses roubam a cena no primeiro dia da COP30 O dia a dia no barco é de luta, “nada de passeio”, lembra Pedro Charbel, coordenador da Aliança Chega de Soja, diante de mais de 300 indígenas e ativistas dos movimentos a bordo de uma embarcação que partiu de Santarém rumo a Belém com objetivo tão lúcido quanto as formas gráficas no corpo indígena: levar um recado de resistência ao mundo usando como plataforma a COP30. O evento tem como principal bandeira o cancelamento da Ferrogrão (EF-170) — projeto ferroviário que pretende ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), ampliando o escoamento de grãos pelo Tapajós. Desenvolvida por demanda de grandes tradings como Cargill, Bunge, Amaggi, ADM e Louis Dreyfus, a Ferrogrão é apontada como um dos projetos mais controversos da atual agenda de infraestrutura federal. Barco da Caravana da Resposta a caminho de Belém Bruno Calixto Segundo dados do Ministério dos Transportes, a ferrovia — com 933 km de extensão — pode multiplicar por seis o volume de exportações de grãos pelo Tapajós até 2049, ampliando pressões sobre a floresta, as comunidades locais e os pedrais do rio, considerados sítios sagrados pelos povos indígenas da região. O julgamento no STF pela alteração de área de parque nacional para construção da Ferrogrão foi suspenso por pedido de vista do ministro Flávio Dino. Assembleias e plenárias a bordo É bem cedo quando os 300 se dividem em três grupos de trabalho para debaterem temas que são caros à população ribeirinha, sobretudo aos “povos das águas”. São 40 organizações neste ato que teve início no sábado, dia 8, e termina nesta terça-feira, depois de 1,6 mil quilômetros sobre os rios Tapajós e Amazonas. Uma boa parte deles veio de Sinop (MT), capital do agronegócio brasileiro. A programação inclui assembleias, plenárias, rodas de conversa e atividades culturais a bordo, com temas como hidrovias e dragagem, Ferrogrão, agroecologia, demarcação de terras, e regulação europeia da soja. Embora considerados “defensores climáticos”, essenciais para o futuro do planeta, suas vozes —afirmam — não são ouvidas como deveriam nos grandes debates e nas decisões sobre o clima. — E é com a nossa voz, a nossa voz de insatisfação (que vamos) dizer chega de ser rotulado como preguiçoso. Essa soja, ela não serve — manifesta Gilson Cacique Kaiapo, do Mato Grosso. Sem álcool e veto a barulho após 22h Ao passo que, durante o dia, o microfone está liberado para denunciar a destruição do rio Tapajós e celebrar a resistência indígena, depois das 22h, o barulho é proibido, horário que as atividades se encerram para o descanso. Uma travessia simbólica e política que percorre o mesmo trajeto usado pelo agronegócio para exportar soja — mas com o objetivo oposto: denunciar o modelo de desenvolvimento que sacrifica os rios e territórios em nome do lucro. Álcool? Nem pensar. Nada que distraia o grupo é admitido a bordo. Ao longo do dia e além das refeições, uma mesa com frutas, café e biscoitos. Nada mais. Na cantina, refrigerante e outros poucos itens comercializados, assim como a senha do Wi-Fi. Para comer, lavar a louça e tomar banho, respeito na fila. Pela estética de alguns rituais que conhecemos, os indígenas sabem andar em fila. As poucas cabines foram compartilhadas por pessoas mais velhas e ou com deficiência. Indígena em barco da Caravana da Resposta a caminho de Belém Bruno Calixto O barco também transportou alimentos agroecológicos produzidos por famílias camponesas, que foram usados na cozinha solidária da Cúpula dos Povos, durante a COP 30. Ao sabor das Cozinhas Solidárias do MTST e a Luta por Soberania Alimentar — A crise climática afeta mais os pobres, impactados por enchentes e ondas de calor causadas pelos ricos. A luta contra o desmatamento na Amazônia deve se conectar com a luta para fechar a conta do fim do mês, garantindo comida barata e sem veneno — diz Pedro Charbel, coordenador da Aliança Chega de Soja, idealizadora da Caravana, junto com mais de 40 organizações e povos da Amazônia e do Cerrado. Enfim, um movimento nos moldes das grandes lutas populares. — Só existem dois motivos para estar na luta: porque não aceitamos perder o que é parte da nossa existência e porque sonhamos em conquistar algo melhor, se organizando coletivamente. Essa travessia é o símbolo desse sonho: unir forças para transformar a realidade — resumiu Fred Santana, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).