Parlamento de Israel aprova etapa inicial de investigação sobre 7 de outubro sob controle do governo e provoca protestos
O Parlamento de Israel (Knesset) aprovou nesta quarta-feira, em votação preliminar, um projeto de lei apoiado pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que cria uma comissão de inquérito de caráter político para investigar o ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023, o mais letal da história do país. A proposta avançou em meio a protestos dentro do plenário, manifestações nas ruas e duras críticas de familiares das vítimas, que acusam o governo de tentar controlar as conclusões da investigação.
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O texto foi aprovado por 53 votos a 48. Netanyahu e o ministro da Defesa, Israel Katz, não participaram da sessão, por estarem presentes na cerimônia de formatura de um curso de pilotos da Força Aérea. A iniciativa prevê a criação de uma comissão cujos integrantes seriam escolhidos por meio de um processo político, e não por uma comissão estatal independente, como defendem a oposição e familiares das vítimas.
Durante o debate no Parlamento, pais de pessoas mortas no ataque acompanharam a sessão da galeria destinada ao público e interromperam os discursos com gritos de “vergonha” e “quem está sob investigação não pode nomear os investigadores”. Parlamentares da oposição compareceram vestidos de preto, em sinal de protesto, e alguns foram retirados do plenário após erguerem cartazes ou gritarem palavras de ordem. Deputados do partido Yesh Atid e o líder do Ra’am, Mansour Abbas, rasgaram cópias do projeto durante a votação.
— Para garantir que um desastre como esse nunca volte a acontecer, todos os sistemas precisam ser investigados — disse o autor da proposta, o deputado Ariel Kallner, do Likud, acrescentando que o objetivo é examinar todas as falhas do Estado.
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Antes da votação, o vice-ministro Almog Cohen falou em nome do governo e fez ataques ao sistema judicial, ao presidente da Suprema Corte, Isaac Amit, e a ex-dirigentes das forças de segurança, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel (IDF), Herzl Halevi, o ex-chefe da Inteligência Militar, Aharon Haliva, e o ex-diretor do Shin Bet, Ronen Bar.
A sessão também foi marcada por ausências relevantes. Além de Netanyahu e Katz, não compareceram outros integrantes da coalizão, como Zeev Elkin, Yuli Edelstein, Sharren Haskel e Avi Maoz. Lideranças de partidos ultraortodoxos, como Arye Dery, do Shas, e Yitzchak Goldknopf, do Judaísmo Unido da Torá, também ficaram fora da votação. Na oposição, alguns parlamentares igualmente não participaram.
‘Marca da vergonha’
Antes do início dos trabalhos no plenário, pais de jovens mortos no ataque de 7 de outubro e na guerra em Gaza pediram aos deputados que rejeitassem o projeto. Ao longo do dia, familiares de reféns mantidos em Gaza e manifestantes realizaram atos em frente às casas de ministros, em Jerusalém, Tel Aviv e outras cidades, exigindo a criação de uma comissão estatal de inquérito, como previsto na legislação israelense para casos de grande impacto nacional.
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Em uma coletiva organizada pelo chamado Conselho de Outubro, grupo que reúne familiares das vítimas, Ruby Chen, pai do soldado Itay Chen — morto no dia do ataque e cujo corpo foi levado para Gaza —, fez um discurso duro contra a proposta.
— Qualquer parlamentar que levantar a mão a favor de uma comissão criada para acobertar e esconder carregará uma marca de vergonha por toda a vida — afirmou. — Eles querem decidir quem investiga, o que será investigado e quais serão as conclusões. Querem que nunca saibamos a verdade.
Outro pai, Rafi Ben Shitrit, cujo filho Shimon Alroy Ben Shitrit também morreu em 7 de outubro, dirigiu-se diretamente aos eleitores da direita israelense. Morador de Beit She’an, cidade tradicionalmente alinhada ao Likud, ele afirmou que apoiar uma comissão política em vez de uma investigação estatal significaria repetir erros que podem ter consequências futuras.
— Se continuarem apoiando uma comissão de acobertamento, vocês serão os próximos a estar ao redor desta mesa — disse.
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Entenda a proposta
Pelo texto aprovado, a coalizão governista teria ampla margem para influenciar a composição da comissão. A proposta concede ao presidente do Knesset o poder de escolher os integrantes do órgão em “consulta” com representantes da coalizão e da oposição, sujeitando a lista final à aprovação de ao menos 80 deputados. Caso esse número não seja alcançado, o presidente da Comissão da Casa da Knesset indicaria três membros, enquanto o líder da oposição nomearia outros três. Se uma das partes se recusasse a fazer as indicações, caberia ao presidente do Parlamento preencher as vagas.
Enquanto a votação ocorria, protestos se espalharam pelo país. Em Jerusalém, manifestantes se concentraram diante da residência privada de Netanyahu; em Tel Aviv, atos foram registrados em frente à casa do presidente do Knesset, Amir Ohana, e de outros ministros. Houve confrontos pontuais entre policiais e manifestantes durante tentativas de dispersão. Um ativista conhecido foi detido em Tel Aviv após protestar perto da residência de Ohana.
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Familiares das vítimas também participaram de atos menores em outras cidades. Em Nes Tziona, ao sul de Tel Aviv, Dana Prinz, mãe de Hadar, assassinada no festival de música Nova, segurava a foto da filha diante da casa do chanceler Gideon Sa’ar. Cartazes exibidos por manifestantes questionavam decisões tomadas antes do ataque, como a autorização de eventos perto da fronteira com Gaza e alertas ignorados por unidades de vigilância do Exército.
O avanço do projeto ocorre dias depois de um comitê de ministros ter aprovado sua tramitação. Segundo fontes ouvidas pela imprensa israelense, Netanyahu afirmou que a comissão controlada pelo governo também investigaria temas como os Acordos de Oslo, assinados nos anos 1990, e os protestos de reservistas contra a reforma judicial proposta pelo governo em 2023 — um escopo que críticos veem como indício de politização da apuração.
A proposta ainda precisa passar por novas votações e debates no Knesset antes de se tornar lei, mas a etapa inicial já aprofundou a divisão política e a tensão entre o governo, a oposição e as famílias afetadas diretamente pelo ataque de 7 de outubro.