Desespero por comida agrava insegurança em Gaza; grupo de extrema direita tenta bloquear entrada de ajuda humanitária
Enclave palestino é 'o lugar mais faminto da Terra', disse a ONU nesta sexta-feira, alertando que toda a população de Gaza agora corre risco de fome O desespero por comida e outros suprimentos de ajuda tem levado a um estado constante de insegurança na Faixa de Gaza, com relatos de saques nos pontos de distribuição e policiais mortos sob ataques de Israel. Enquanto o caos se instala dentro do território, membros de um grupo de extrema direita israelense tentam obstruir a passagem de caminhões de ajuda humanitária, numa tentativa de pressionar o Hamas a devolver os reféns ainda mantidos em Gaza. O enclave palestino é "o lugar mais faminto da Terra", disse a ONU nesta sexta-feira, alertando que toda a população de Gaza agora corre risco de fome.
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Segundo o Ministério do Interior, administrado pelo Hamas, sete de seus policiais foram mortos por um ataque aéreo israelense a um mercado na Cidade de Gaza, no centro do enclave, na quinta-feira, enquanto tentavam restaurar a ordem e confrontar saqueadores.
"Aeronaves de ocupação israelenses alvejaram vários policiais enquanto eles cumpriam seu dever de confrontar um grupo de saqueadores mais cedo hoje [quinta-feira], levando ao martírio de vários policiais e civis em mais um massacre", disse um comunicado do órgão.
O Exército israelense não comentou o assunto, mas afirmou que atingiu "dezenas de alvos terroristas" em Gaza no último dia. Segundo a Defesa Civil de Gaza, ao menos 44 pessoas morreram nesses bombardeios, sendo 23 no campo de refugiados de al-Bureij, no centro do território.
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No mesmo dia, em Rafah, no sul do território, uma testemunha palestina disse à rede BBC que milhares de pessoas se reuniram perto de um centro de ajuda humanitária, arrombando o portão em busca de suprimentos.
— Por exatamente 10 minutos, as coisas foram organizadas, mas então a multidão atravessou o portão e correu para o pátio — contou.
'Desesperador e trágico'
As cenas de caos são semelhantes às dos dias anteriores. Na quarta-feira, milhares de palestinos famintos correram para um armazém do Programa Mundial de Alimentos (PMA). Quatro pessoas morreram na confusão, sendo duas vítimas de disparos por armas de fogo.
O incidente ocorreu um dia depois de uma distribuição igualmente caótica de ajuda em um centro administrado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma nova organização criada com apoio de Israel e dos Estados Unidos e criticada pela ONU. Testemunhas relatam que soldados israelenses dispararam contra a multidão para controlar a confusão, o que o Exército nega que tenha atirado diretamente nas pessoas. Cinquenta pessoas ficaram feridas na ocasião.
A GHF, que afirmou já ter distribuído 2 milhões de refeições em quatro dias de operações, enfrenta acusações de ajudar Israel a cumprir seus objetivos militares, ao mesmo tempo em que exclui os palestinos e desrespeita os princípios humanitários de neutralidade, imparcialidade e independência. EUA e Israel afirmam que o novo sistema tem impedido que a ajuda seja roubada pelo Hamas, o que o grupo armado nega fazer.
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Questionado sobre as operações da fundação, Jens Laerke, porta-voz da agência humanitária da ONU Ocha (na sigla em inglês), criticou o método, dizendo que "não está funcionando, não atende às necessidades das pessoas e cria o caos."
— É algo tão desesperador, trágico, frustrante e totalmente anti-humanitário — disse ele, acrescentando que, ao fazer com que as pessoas recolham ajuda em vez de entregá-la onde estão, elas se tornam alvo de saqueadores quando saem do local.
Segundo Laerke, hoje "Gaza é o lugar mais faminto da Terra", sendo "a única área definida, um país ou território definido dentro de um país, onde toda a população corre risco de fome".
Bloqueios na fronteira
Enquanto isso, cerca de 30 membros do grupo de extrema direita israelense Tzav 9 obstruem a passagem de caminhões de ajuda humanitária na fronteira de Israel com o enclave, em Kerem Shalom. Segundo o jornal israelense Haaretz, esta é a segunda ação do grupo na semana, que justifica o bloqueio como um modo de pressionar o Hamas até que todos os reféns sejam libertados.
— Precisamos interromper o fornecimento de combustível para o Hamas. Isso está salvando os reféns e a segurança de Israel. Exigimos que nenhuma ajuda entre para o Hamas. Ponto final — disse ao jornal Shai Wenkert, cujo filho Omer foi libertado do cativeiro do Hamas em fevereiro.
Na terça-feira, cerca de 20 pessoas do Tzav 9 bloquearam por mais de uma hora caminhões com destino a Gaza no porto de Ashdod. A polícia dispersou o grupo, que gritava: "Vocês não receberão um pedaço de pão até que devolvam os reféns".
Desde o início da guerra em Gaza, o grupo tem bloqueado caminhões de ajuda e agredido motoristas. A União Europeia e o governo americano, na época sob o presidente Joe Biden, sancionaram a organização, ligada a reservistas israelenses e colonos na Cisjordânia. Um dos fundadores, Reut Ben Haim, foi preso na semana passada pela polícia de Israel.
O Hamas desencadeou a guerra com seu ataque de 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de 1.218 pessoas e o sequestro de outras 251. Delas, 57 continuam em Gaza, embora 34 estejam mortas, segundo as autoridades israelenses. Em resposta, a ofensiva israelense sobre Gaza deixou mais de 54.200 palestinos mortos, segundo dados do Ministério da Saúde, considerados confiáveis pela ONU.
Com AFP.