Por que alguns humanos desenvolvem 'chifres'?
Os equídeos, membros da família dos cavalos, que inclui cavalos, burros e zebras, compartilham uma característica curiosa chamada “castanhas” (ou calosidades). Presentes em todos os cavalos, elas aparecem como pequenas saliências endurecidas nos membros e podem ser aparadas quando crescem demais. Quem acompanha o encantador e vigoroso ferrador Sam Wolfenden no TikTok já deve ter visto seus vídeos especializados de aparo dessas castanhas.
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As castanhas são estruturas fascinantes, remanescentes das almofadas dos dedos que existiam nos ancestrais pré-históricos tanto dos cavalos domésticos quanto dos selvagens. Elas também são únicas em cada animal, podendo ser comparadas a uma impressão digital individual.
Essas formações são feitas de queratina, a mesma substância presente na camada externa da pele. A queratina é protetora, impermeável e resistente, conferindo força e durabilidade. Ela também está presente em cabelos e unhas, que desempenham funções importantes, como reter calor e transmitir informações sensoriais ao cérebro.
Os cascos e chifres dos animais não são diferentes. Também compostos por queratina e originados da pele, eles têm funções que vão desde a proteção até o uso como armas de defesa ou ataque.
A queratina, portanto, desempenha um papel essencial tanto em humanos quanto em animais. E, já que somos feitos de materiais biológicos semelhantes, talvez não surpreenda saber que os humanos também podem desenvolver “chifres”, embora não exatamente como os de um cavalo ou bode.
Chifres humanos
Os chamados chifres cutâneos (cornu cutaneum) são massas de queratina que crescem para fora da pele. Sua forma geralmente curvada e textura endurecida fazem com que se pareçam com os chifres de cabras, carneiros ou bois. Eles podem variar de amarelo a marrom ou cinza, dependendo da quantidade de pigmento e de células mortas presas dentro da queratina durante o acúmulo.
Os chifres cutâneos se desenvolvem a partir de lesões de pele de vários tipos, e muitos deles são inofensivos. Lesões benignas comuns, como as queratoses seborreicas — verrugas salientes extremamente comuns em pessoas idosas —, podem dar origem a esses “chifres”. Outras verrugas, incluindo as causadas pelo papilomavírus humano (HPV), também podem resultar neles. O HPV é um grupo de vírus que infectam a pele e as mucosas e podem causar verrugas ou, em casos mais raros, câncer.
Cerca de 16% a 20% dos chifres cutâneos são malignos, desenvolvendo-se a partir de cânceres de pele, como o carcinoma de células escamosas. Esse tipo de câncer começa na camada externa da pele e pode invadir tecidos mais profundos se não for tratado.
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Outros casos surgem de condições pré-malignas e alterações na pele que ainda não são cancerosas, mas podem se tornar. Um exemplo clássico é a ceratose actínica (ou solar), que pode evoluir para carcinoma de células escamosas, às vezes formando um chifre, mas nem sempre. Nessas situações, as células da lesão sofrem desnaturação, perdendo sua estrutura e função normais. Esse crescimento descontrolado pode levar à produção excessiva de queratina, resultando ocasionalmente na formação de um chifre.
Pessoas que desenvolvem chifres cutâneos, sejam eles benignos, pré-malignos ou cancerosos, tendem a compartilhar alguns fatores de risco semelhantes. Esses cornos são muito mais comuns em adultos mais velhos e em pessoas de pele clara, e frequentemente aparecem em áreas expostas ao sol, como a cabeça ou o rosto, sugerindo que a luz ultravioleta (UV) desempenha um papel importante.
Os danos causados pelo sol são uma das principais causas de todos os tipos de câncer de pele, incluindo o melanoma, a forma mais perigosa. Ao contrário do carcinoma espinocelular, o melanoma se origina nas células produtoras de pigmento e se espalha de forma mais agressiva pelo corpo se não for detectado precocemente.
Podem atingir tamanhos impressionantes
Alguns chifres cutâneos aparecem em lugares incomuns, como o peito ou até mesmo os órgãos genitais. E, como às vezes estão ligados ao câncer, qualquer pessoa que note um crescimento desse tipo deve procurar um médico.
A aparência pode ser perturbadora, especialmente quando surge em áreas visíveis como o rosto, e pode causar desconforto ou irritação. O tratamento normalmente envolve a remoção cirúrgica do chifre e de uma pequena porção da pele ao redor — um procedimento chamado excisão.
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Alguns chifres cutâneos podem atingir tamanhos impressionantes. Em 2024, uma idosa na China chamou atenção da imprensa ao desenvolver um grande chifre cutâneo na testa, que chegou a dez centímetros de comprimento ao longo de sete anos. Outros já foram apelidados de “chifres de unicórnio”, quando crescem no centro da testa. Em outro caso, um paciente na Índia foi noticiado por ter um “chifre do diabo” crescendo no topo da cabeça.
No entanto, o recorde histórico provavelmente pertence a Madame Dimanche, também conhecida como Viúva Sunday ("Widow Sunday"), no início do século XIX. Essa mulher francesa desenvolveu um chifre que alcançou quase 25 centímetros, pendendo abaixo do queixo antes de ser removido. Um molde de cera de seu rosto e do chifre está hoje exposto entre outras curiosidades anatômicas no Museu Mütter, na Filadélfia.
Se algum dia você notar um caroço duro e crescente que se pareça, mesmo de leve, com um chifre, não espere, procure um médico para avaliar e indicar o tratamento mais adequado.
*Dan Baumgardt é professor sênior na Escola de Psicologia e Neurociência, na Universidade de Bristol, no Reino Unido.
*Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original.