Em jantar com empresários, Boulos critica de Faria Lima a plataformas digitais
Cinco dias após sua cerimônia de posse no Palácio do Planalto, à qual compareceram principalmente representantes de movimentos sociais ligados à esquerda, o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, discursou nesta segunda-feira a uma plateia muito menor, de empresários e executivos de grandes empresas em Brasília. Diante de representantes de grandes plataformas, como iFood e Uber, Boulos repetiu que deve trabalhar a favor de um projeto de lei que garanta direitos a entregadores. Ao falar do setor financeiro, disse que "até o FMI já fala que o caminho não é austeridade e a Faria Lima está com o discurso do FMI dos anos 90".
Na área de segurança, o ministro voltou a criticar o que chamou de "populismo à base de sangue", em referência indireta à operação policial realizada pelo governo do Rio na semana passada, em contraponto a ações da Polícia Federal de combate à lavagem de dinheiro por meio de fintechs.
O evento foi organizado pelo think tank Esfera, presidido pelo empresário João Camargo, que promove eventos nos quais reúne autoridades e grandes empresas para discutir políticas públicas. Nos bastidores, comentava-se que trazer Boulos foi uma iniciativa importante de Camargo porque o ministro seria uma das apostas do presidente Lula para sucedê-lo em 2030 e que, por isso, é preciso aproximar-se dele e conhecer melhor suas ideias.
— Sei que aqui tem gente do setor financeiro, mas o Brasil não pode ser uma plataforma de aplicação especulativa de curto prazo, com juros de 15% ao ano. Nós temos que agregar valor aqui e para isso precisa ter política de Estado, de política de transferência tecnológica, de pesquisa, desenvolvimento. Quem faz isso é o Estado, aqui e no mundo inteiro. Não é só China comunista, não. É nos Estados Unidos liberal também. Quem que bancou o Vale do Silício? — salientou Boulos em seu discurso.
Em outra crítica à taxa Selic atual, o ministro criticou o que chamou de "cegueira ideológica" de parte do empresariado.
— É preciso começar a pensar como o mundo está pensando, porque até o FMI já fala que o caminho não é austeridade, e a Faria Lima está com o discurso do FMI dos anos 1990 — disse Boulos, logo após ter provocado risos na plateia ao afirmar que não é "exatamente um liberal", como João Camargo.
Durante o jantar, o novo ministro conversou com representantes de plataformas digitais cuja regulamentação defende.
— O que que as plataformas fazem, a Uber, iFood, 99, qualquer uma delas? Intermediação tecnológica (...). Essa intermediação tem significado ganhos muito excessivos em relação ao trabalhador, que, a cada viagem, tem uma parcela retida pelas empresas de tecnologia, sendo que quem paga o tanque de gasolina é ele; quem troca o pneu é ele. Tem que ter garantia de direito para esse trabalhador. Então esse é um tema que o presidente Lula também me pediu, junto com o ministro (Luiz) Marinho (do Trabalho) ajudar a tratar com os trabalhadores — afirmou o novo ministro logo na chegada ao evento.
Boulos também elogiou o projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso em 2024 que trata da regulamentação dos motoristas de aplicativos e disse que vai buscar, agora, desenvolver uma regulamentação que chegue aos entregadores.
— Quando a gente fala de regulamentação, é ouvindo a categoria, garantindo as condições de flexibilidade que esses trabalhadores demandam, mas ao mesmo tempo garantindo direitos, seguro em relação a acidente, garantias de seguridade social, garantias de remuneração mínima. (...) Hoje, se um motoqueiro se acidenta, a plataforma, o iFood, a 99 ou qualquer outra não têm responsabilidade por isso — disse.
Nos bastidores, as plataformas têm afirmado que as conversas com o governo federal esbarram no engessamento da relação com os entregadores e resistem a aumentos de custo que, argumentam, dificultariam a sobrevivência do modelo de negócio.
Em seu discurso, Boulos não citou empresas. Falou calmamente por aproximadamente 20 minutos e adotou uma retórica desenvolvimentista, de crítica à taxa básica de juros e a favor do desenvolvimento de uma indústria nacional de valor agregado, que vá além de exportações de commodities.
Na área da segurança, Boulos foi questionado por Camargo a falar sobre o combate a organizações criminosas. O empresário elogiou a recente operação Carbono Oculto, da PF, que busca desarticular esquemas de lavagem de dinheiro do crime organizado realizados por meio de fintechs.
Sem citar nominalmente o governador do Rio, Cláudio Castro, Boulos disse que há duas formas de combater o crime: uma “pegando ali na ponta e fazendo populismo à base de sangue” e outra, adotada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), que visaria “combater a cabeça do crime”.
— Alguém acha que o crime organizado vai deixar de atuar no Complexo Alemão daqui a um mês? Vão surgir outras pessoas que vão fazer esse trabalho lá — disse Boulos.
O ministro elogiou o trabalho do diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, e do ministro da CGU, Vinícius Marques de Carvalho, ambos presentes no evento.
— Existe o jeito de combater o crime organizado que o Vinícius (Marques de Carvalho, da CGU) fez, que o (Robson) Barreirinhas (Secretário da Receita Federal) fez, que o Andrei (Passos, diretor-geral da PF) fez, por determinação do presidente Lula, que é combater a cabeça do crime. É ir lá e pegar a lavagem de dinheiro, seja de uma fintech, seja de qualquer bet, seja de qualquer empresa — afirmou.
Além dos executivos de plataformas, estavam na plateia representantes das teles como a Claro, de big techs como o Google, e do setor financeiro. Também compareceram os ministros José Múcio (Defesa), Vinícius Marques de Carvalho (CGU) e Esther Dweck (Gestão), além do presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Gustavo Augusto, do delegado-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, e diretores de agências reguladoras, como a ANTT e a Anac.