Enem acontece neste domingo com disparada dos candidatos acima de 60 anos, grupo que triplicou em três anos
A atriz Giovanna Goldfarb, de 61 anos, vai tentar se reconciliar com sua "versão" estudante. Inscrita no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), ela é uma das 17.192 pessoas com mais de 60 anos — um número 191% maior do que há três anos — que farão a prova hoje. O exame, principal porta de entrada para o ensino superior no país, começa a ser aplicado às 13h para 4,8 milhões de pessoas que vão de jovens treineiros — aqueles que não estão nem no último ano de ensino médio — até os mais veteranos, como Giovana.
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— Minha versão aluna merece ser melhor — diz a candidata que, em 1999, interpretou a personagem Zefa, na primeira versão da novela “Pantanal”. — Meus objetivos são: 1) gabaritar História, Geografia, Literatura e Inglês; 2) tirar 800 na redação; 3) acertar alguma coisa de Matemática e Física; 4) algumas de Biologia e Química; 5) passar na faculdade que pretendo.
Em 1983, ela chegou a entrar na faculdade de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), mas não conseguiu completar o curso. Na época, ela passou por um grave problema de dependência química que a fez frequentar pouco as aulas até que um acidente de carro decretou sua saída de vez.
— Não estudava há mais de 40 anos. Me sinto um museu ambulante na turma do pré-vestibular social que frequento. A gente ri à beça. Me sinto quase que da época de Pedro Álvares Cabral! O professor de Geografia mostrou um slide com um vilão destruidor do mundo. Ao final da aula, eu perguntei: “Tá, mas quem é esse?” Todo mundo conhecia, era da Marvel, menos eu — diverte-se a estudante que está em uma turma do “Mulheres na Escola”, um programa da Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância (Cecierj) e da Secretaria de Estado da Mulher do Rio que promove o retorno à educação formal para mulheres a partir de 16 anos ou que desejam fazer o pré-vestibular.
Hoje, ela vai fazer 90 questões divididas entre Ciências Humanas e Linguagens, além de Redação. Já no próximo domingo serão mais 90 itens de Matemática e Ciências da Natureza. É por meio dessa prova que se selecionam os calouros da maior parte das vagas das universidades federais e os beneficiados no programa do governo federal de bolsas nas instituições privadas, o Prouni.
Magna Gomes, de 70 anos, é outra que está tentando conseguir continuar sua trajetória escolar. A moradora de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, parou de estudar aos 12 anos, quando começou a trabalhar como empregada doméstica em casas de famílias de classe alta da Zona Sul carioca.
— Aos 9 anos eu perdi minha mãe, e como ela tinha vindo sozinha de João Pessoa (PB) para o Rio, acabei ficando desamparada e tive que começar a trabalhar — conta a vestibulanda, que posteriormente trabalhou em confecções de fantasias para escolas de samba e lavanderias de hospitais. — No começo, cheguei até a estudar em bons colégios particulares que eram pagos pelos patrões, mas acabei parando porque era impossível focar na escola enquanto trabalhava tanto.
Dois casamentos, três filhos, dois dos quais concluíram o ensino superior, e uma alfabetização pela educação de jovens e adultos (EJA) depois, ela descobriu o pré-vestibular enquanto pesquisava também do “Mulheres na Escola” por cursos gratuitos de informática para idosos na internet.
— Ouvi de uma professora que uma das escolas em que ela dá aula está tendo muitos casos de abandono escolar, e isso partiu meu coração — lembra. — Eu falo para os jovens lá do cursinho que eles devem persistir não só porque é importante ter um diploma, mas também porque estudar é uma delícia.
A meta de Magna é cursar Direito, mas ela afirma que não deve largar a vida de concurseira após se formar.
— Se Deus quiser vou conquistar o diploma universitário, que é meu sonho, mas não pretendo parar nunca mais de estudar, é algo que me faz muito bem — declara. — Só não sei o que vou fazer depois do curso de Direito, penso em estudar para a prova da OAB, mas também gostaria de fazer outra formação na área da gestão pública
As novidades do ano
Em 2025, os candidatos vão encarar uma série de novas regras. A prova de Redação, por exemplo, teve oficializada na Cartilha do Participante uma orientação contra as chamadas “citações coringa”. Essa é uma estratégia que se popularizou nos últimos anos e consiste em memorizar uma referência genérica para utilizar em qualquer tema proposto.
A utilização de repertório para argumentação é pontuada na competência 2 da redação do Enem. Ela mede a capacidade do candidato de compreender o tema e desenvolver um texto dissertativo-argumentativo coerente com a proposta, utilizando repertório sociocultural.
Para demonstrar repertório, os alunos são incentivados a fazer citações de livros, pensadores, filmes, músicas, séries etc. Caso façam de forma adequada, ganham mais pontos. Até 2024, professores de redação recomendavam a memorização de citações genéricas que poderiam ser usadas em qualquer texto.
Agora, em 2025, o MEC reforça na Cartilha do Participante que essa estratégia não deve ser utilizada por entender que ela descredibiliza o texto e não demonstra domínio de conteúdo. “A recomendação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC) responsável pela prova, é explorar mais o repertório autoral no texto”, diz o texto.
Outra mudança importante é a forma com que os alunos vão disputar as vagas no Sistema de Seleção Unificado (Sisu), que é realizado em janeiro de 2026. A partir deste ano, os candidatos poderão usar as notas dos três últimos anos, desde que não tenham feito a prova como treineiros. A novidade revoltou jovens do final do terceiro ano do ensino médio, que só terão uma nota para competir com aqueles que já fizeram o Enem mais vezes, e a tendência é de aumento na nota de corte de cursos mais competitivos.
*Estagiário sob a supervisão de Alfredo Mergulhão