'Meu marido não era bandido', diz viúva do motorista na Pavuna ao contestar versão da PM
"Meu marido não era bandido. Era trabalhador. Só queria voltar pra casa". O desabafo é de Dayene Nicacio Carvalho, de 25 anos, viúva de Andrew Andrade do Amor Divino, de 29, morto com um tiro de fuzil disparado por um policial militar durante uma abordagem na Avenida Pimentel, nos acessos ao Complexo do Chapadão, na Pavuna, na madrugada de sábado (8). O enterro será neste domingo (10), às 13h, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte do Rio.
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Segundo a Polícia Militar, agentes faziam patrulhamento na região quando ocupantes de três motocicletas atiraram contra os policiais. Logo depois, o condutor de um carro não teria parado ao receber ordem para encostar. O veículo avançou, e um dos agentes atirou. Andrew foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu.
Dayane contesta a versão. Diz que o marido voltava de uma comemoração, no carro de um vizinho, com o som alto e os vidros fechados, que havia um ônibus na sua frente e ele não ouviu o comando. A última troca de mensagens entre os dois foi pouco antes da meia-noite.
— Às 11h59 perguntei se ele já estava vindo, e ele respondeu que já estava chegando. Meia hora depois, aconteceu tudo. Toda vez que via uma viatura, ele parava. Era habilitado, o carro estava em dia. Não tinha por que fugir.
Quando soube do ocorrido, ela foi até a Delegacia da Pavuna, mas não havia registro do caso. De lá, seguiu para o Hospital Getúlio Vargas, onde recebeu a confirmação de que o marido havia sido baleado.
— Pedi pra não mentirem pra mim. Perguntei se ele estava bem, e o policial disse que o estado era grave. Quando puxaram o nome dele, viram que não tinha nada. O policial virou pra mim e falou: “Me desculpa”. Mas desculpa não traz o pai dos meus filhos de volta.
Segundo relatos da esposa e de amigos e familiares, Andrew era mototaxista e entregador, e recentemente consertava celulares em casa, na comunidade. O casal estava junto havia oito anos. Dayene conta que eles tinham acabado de comprar uma casa com o dinheiro de um empréstimo feito no banco.
— A gente tinha acabado de começar a pagar a nossa casinha. Simples, mas nossa. E agora eu não sei como vai ser. No começo, a gente não tinha nada. Uma cadeira de carro no lugar do sofá, uma TV velha e uma cama de solteiro. Mas ele nunca deixou faltar comida. Saía de casa com chuva, com frio, para trabalhar. Ele montava a bancada com as ferramentas para consertar celular na mesa, porque a gente não tinha dinheiro pra abrir uma lojinha. Era nossa renda. Tenho como provar que meu marido era trabalhador — diz Dayene.
Nas redes sociais, amigos e vizinhos defenderam Andrew, dizendo que ele era “honesto, tranquilo e querido”. Um grupo com quem ele treinava muay thai em um projeto social publicou vídeo em sua homenagem, pedindo justiça.
Andrew com o filho mais velho e o recém-nascido, na maternidade
Arquivo pessoal
Dayene agora cuida sozinha dos dois filhos, um menino de seis anos e um bebê de 28 dias. O filho mais velho pediu para acompanhar o enterro.
— Minha sogra está sob efeito de calmante. Eu não posso desmoronar, porque amamento e tenho que ser forte. Eles tiraram o pai dos meus filhos. Acabaram com a minha família. Meu filho mais velho chega pra mim e fala que o coraçãozinho está doendo, que sente falta do pai. Eu disse que foi um acidente de carro, que o papai passou mal, pra não deixá-lo revoltado. Mas ele é esperto e disse: “mãe, a polícia matou o meu pai”. Ali eu desabei. Eu não queria levá-lo no enterro mas ele pediu e disse: “não me tira esse direito, eu quero enterrar o corpo do meu pai”. Ele só queria brincar com o pai, jogar bola, videogame. O último passeio deles foi domingo passado, no parque de diversões — relembra.
Em nova nota enviada neste domingo, a Secretaria de Estado de Polícia Militar reafirmou que ocupantes de três motos atiraram contra os agentes e que o motorista de um carro avançou sem obedecer à ordem de parada, sendo atingido por um disparo. A corporação informou que instaurou procedimento interno para apurar as circunstâncias do fato, investigado pela 31ª DP (Ricardo de Albuquerque).
A Polícia Civil informou que A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) foi acionada e investiga a morte de Andrew e que diligências estão em andamento para apurar os fatos. "Segundo informações preliminares, o homem não obedeceu uma ordem de parada e foi alvejado por um policial militar. Ele foi socorrido pela equipe a uma unidade hospitalar, mas veio a óbito", diz a nota.