Batalhão envolvido em caso de intimidação em escola infantil é o mais letal de São Paulo
Há duas semanas, policiais militares entraram armados em uma escola de educação infantil da Zona Oeste de São Paulo e foram acusados por pais e alunos de intimidação. Quatro agentes do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) se dirigiram à EMEI Antônio Bento, no Butantã, movidos por uma queixa de um colega, também policial, que tem uma filha aluna da instituição. O pai ficou incomodado com uma aula de educação antirracista que envolvia uma orixá e acionou os policiais (relembre o caso ao fim do texto).
A unidade a que pertencem os policiais, o 16ºBPM/M, acumula casos controversos e é o batalhão titular da área com o maior número de mortes em decorrência de intervenção policial na capital paulista. Em junho deste ano, policiais da unidade foram flagrados pelas câmeras corporais atirando contra um homem desarmado dentro de uma casa em Paraisópolis, durante uma operação policial.
Nos últimos 12 anos, 398 mortes em decorrência de intervenção policial aconteceram na área do 16ºBPM/M, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, atualizados até setembro de 2025.
O GLOBO analisou as ocorrências a nível geográfico e constatou que ao menos 40% desses óbitos, ou 162, foram em áreas que ficam dentro de favelas ou até 200 metros delas. Os dados mostram que 2024 foi o segundo ano mais letal do batalhão, com 43 óbitos, só perdendo para 2018, quando foram registradas 48 mortes. Em 2025, até setembro, foram 18 casos.
Territórios críticos
A região que concentra o maior número de mortes ao longo do período histórico fica no entorno de um aglomerado de favelas no bairro do Campo Limpo, Zona Sul. Usando o mapeamento de favelas da prefeitura de São Paulo, a reportagem delimitou uma área de 200 metros no entorno das comunidades, para contabilizar os óbitos em cada região da área de atuação do 16ºBPM/M.
Nas favelas do Campo Limpo, foram 64 mortes desde 2013 até setembro deste ano. Na sequência, aparece Paraisópolis e favelas próximas, com 45 óbitos. Foi ali, na segunda maior favela da cidade, que aconteceram dois casos controversos de uso da força.
Em 2020, Joabson Ramos de Lima, de 32 anos, foi morto dentro de casa por PMs dois dias depois de um soldado da corporação ser assassinado na favela. Segundo denúncia do Ministério Público, os policiais acreditavam que na casa estava o assassino do colega PM. Eles entraram na residência e teriam atirado contra Joabson desarmado.
Em 18 de novembro deste ano, a Justiça pronunciou os três policiais envolvidos no caso. Com a decisão, Vinícius Takeshi Sayki, João Rodolfo da Costa Mathias e Felipe Rodrigues vão a júri popular.
Segundo a SSP, o inquérito policial relativo à morte de Joabson foi relatado ao Judiciário em 2023 e os três policiais envolvidos se tornaram réus. “A Polícia Militar aguarda a decisão judicial para a adoção das medidas administrativas cabíveis”, diz a pasta.
No processo, o advogado dos três policiais, Décio Alexandre Taveira, afirma que seus clientes são inocentes. "A defesa se reserva no direito de apreciar o meritum causam (mérito da causa) nas audiências de instrução, debate e julgamento, porém, adianta que não são verdadeiros os fatos apresentados na denúncia, razão pela qual brevemente se provará que os acontecimentos narrados são bem diferentes da realidade ocorrida no fatídico dia", escreveu Taveira.
Um exemplo mais recente é a morte de Igor Oliveira de Moraes Santos, morto em Paraisópolis em 10 de julho de 2025. Na ocasião, policiais do 16º Batalhão realizaram disparos enquanto Igor estava dentro de uma casa, rendido. A cena foi gravada pelas câmeras corporais dos próprios executores. Renato Torquatto da Cruz e Robson Noguchi de Lima foram presos em flagrante e respondem por homicídio doloso. O caso segue em tramitação.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) informa que os dois policiais militares permanecem no presídio Romão Gomes. Outros dois agentes que atuaram no caso foram indiciados por apresentarem versões incompatíveis com as imagens captadas pelas câmeras corporais.
Na ação, o advogado Wanderley Alves dos Santos afirmou que seus clientes têm direito constitucional à ampla defesa e requereu produção de provas testemunhais, documentais e periciais. Além disso, solicita produção de provas sobre a vida pregressa da vítima. "Requer a disponibilização dos antecedentes criminais da vítima já qualificada, assim como o Infocrim. Ademais, requer seja oficiado ao COPOM da PMESP para que informe se há registros de ocorrências envolvendo a vítima junto ao SIOPM e outro sistema operacional da PMESP, como o Muralha Paulista", pediu o advogado.
A letalidade policial no estado teve uma alta de 40% em 2024 e, em 2025, até o momento, atingiu 558 casos, mais do que o total do ano de 2023 (veja acima). A SSP informa que ampliou os investimentos em qualificação operacional e em tecnologias que aumentam a segurança dos policiais e “contribuem para reduzir a letalidade”.
A pasta cita a aquisição de 3.500 armas não letais e a ampliação das câmeras corporais, com 15 mil novos equipamentos, que vão ampliar em 48% o número de câmeras atuais, e que serão alocadas em “áreas de maior risco”.
“Os casos de mortes por intervenção policial registraram queda entre janeiro e setembro deste ano, em comparação ao mesmo período de 2024: –3,6%, no Estado; e –7,6%, no Interior. Todos os casos são rigorosamente investigados pelas Corregedorias das polícias, com acompanhamento do Ministério Público e do Judiciário, garantindo transparência e responsabilização sempre que necessária. As investigações também subsidiam a revisão de protocolos, contribuindo para o aprimoramento contínuo do trabalho policial”, informa a SSP.
Uso excessivo da força
— As mortes estão localizadas em territórios de favelas, mas também em vias de grande fluxo de trânsito, muito relacionado a crimes patrimoniais — explica Desiree Azevedo, antropóloga e pesquisadora do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp.
Desiree é uma das autoras de um estudo que analisou as mortes do 16ºBPM entre 2013 e 2023. Ela conta que nesse período foram 337 mortos pelas forças policiais e oito policiais mortos na região.
— Essa proporção (mortes de policiais versus mortos pela polícia) não justifica a narrativa dada pelos comandos de que aqueles são territórios perigosos para a polícia — afirma Azevedo.
— Esse padrão de letalidade não é um dado isolado: ele revela uma cultura operacional que combina uso excessivo da força, baixa transparência e pouca responsabilização. Quando policiais desse batalhão entram armados em uma escola por causa de uma atividade pedagógica sobre cultura afro-brasileira, isso sinaliza um desvio grave de finalidade e reforça a urgência de controle externo e revisão de protocolos — diz Felipe Andrés, do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular e pesquisador do Fórum Popular de Segurança pública e Política de Drogas do estado de São Paulo, entidade que também analisa a letalidade policial.
Os dados de mortes por intervenção policial registram tanto casos envolvendo policiais militares quanto policiais civis, e 93% dos óbitos cometidos por agentes do estado na área do 16ºBPM vieram de PMs. A base de dados da SSP não mostra a qual batalhão pertence o policial responsável pelo óbito, indica apenas se a ocorrência foi durante o serviço ou a folga do agente.
Historicamente, no entanto, boa parte das mortes em um território vem das mãos de policiais do batalhão responsável por aquela área, explica Desiree. Ela conta que os óbitos que envolvem policiais de outras unidades são mais relacionados a operações policiais.
— A letalidade em SP, diferente do RJ, tem um contexto de morte a conta gotas, em patrulhamento. Esse cenário dá segurança para a gente considerar que boa parte dessas mortes que acontecem na área do batalhão são relativas a agentes desse batalhão — diz Desiree.
A pesquisadora aponta, no entanto, que operações como a Escudo e a Verão, que tiveram papel importante no aumento da letalidade policial no estado em 2024, levaram policiais de diferentes unidades para atuarem na Baixada Santista.
— Isso (a relação das mortes com policiais do batalhão da área) pode estar mudando. Mas é algo que não sabemos pela falta de transparência. A Secretaria de Segurança sabe de qual batalhão é o policial relativo a cada caso, mas não coloca isso na base de dados. Se não temos o número exato, trabalhamos dessa forma, o que não podemos é ficar refém dessa falta de transparência — afirma a pesquisadora.
Caso na EMEI Antônio Bento
A Polícia Militar de São Paulo abriu um procedimento para investigar a conduta de uma equipe de quatro policiais acusada de intimidar pais e professores de uma escola infantil na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Eles teriam entrado na instituição armados, com um dos agentes portando uma metralhadora. O caso ocorreu na semana passada, após o pai de uma criança, um policial militar da ativa, se incomodar com o desenho de uma orixá feito pela filha em aula de educação antirracista.
O pai seria o responsável por acionar os demais agentes para irem à escola. A filha tinha desenhado uma imagem de Iansã, orixá de religiões de matriz africana. Em nota para O GLOBO, a Secretaria de Segurança Pública informou que os policiais são da 2ª Companhia do 16º Batalho de Polícia. A imagem das câmeras corporais será colhida, assim como o depoimento dos policiais. Segundo a SSP, o caso segue em apuração. Um inquérito que apura o crime de intolerância religiosa foi instaurado no 34º DP da Vila Sônia.